quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Vaidade da compaixão

Como ter ideais quando existe, nesta Terra, surdos, cegos e loucos? Como eu poderia me alegrar do dia que um outro não pode ver ou do som que ele não pode escutar? Sinto-me responsável pelas trevas de todos e considero-me um ladrão de luz. Com efeito, não roubamos o dia àqueles que não veem e o som àqueles que não escutam? Nossa lucidez não é culpável pelas trevas dos loucos? Sem saber por que, assim que penso nestas coisas perco toda a coragem e toda a vontade; o pensamento parece-me inútil e vã a compaixão. Eu não me sinto suficientemente normal para simpatizar com a desgraça de quem quer que seja. A compaixão é uma marca de superficialidade: os destinos esgotados e as desventuras irremediáveis nos conduzem seja ao uivo, seja à inércia permanente. A piedade e a comiseração são tão ineficazes quanto insultantes. Além disso, como simpatizar com o infortúnio de outro quando nós mesmos sofremos infinitamente? A compaixão não cria nenhuma obrigação, daí sua frequência. Ninguém morre aqui na Terra de sofrimento pelo outro. Quanto àquele que fingiu morrer por nós, ele não morreu: ele foi colocado à morte.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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