Como
ter ideais quando existe, nesta Terra, surdos, cegos e loucos? Como
eu poderia me alegrar do dia que um outro não pode ver ou do som que
ele não pode escutar? Sinto-me responsável pelas trevas de todos e
considero-me um ladrão de luz. Com efeito, não roubamos o dia
àqueles que não veem e o som àqueles que não escutam? Nossa
lucidez não é culpável pelas trevas dos loucos? Sem saber por que,
assim que penso nestas coisas perco toda a coragem e toda a vontade;
o pensamento parece-me inútil e vã a compaixão. Eu não me sinto
suficientemente normal para simpatizar com a desgraça de quem quer
que seja. A compaixão é uma marca de superficialidade: os destinos
esgotados e as desventuras irremediáveis nos conduzem seja ao uivo,
seja à inércia permanente. A piedade e a comiseração são tão
ineficazes quanto insultantes. Além disso, como simpatizar com o
infortúnio de outro quando nós mesmos sofremos infinitamente? A
compaixão não cria nenhuma obrigação, daí sua frequência.
Ninguém morre aqui na Terra de sofrimento pelo outro. Quanto àquele
que fingiu morrer por nós, ele não morreu: ele foi colocado à
morte.
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
Nenhum comentário:
Postar um comentário