quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O inventor de sabores


Se eu pudesse escolher um outro homem para ser, seria um inventor de novos sabores para fábricas de sorvetes. Sei que decisões deste tipo são tomadas por frios (no caso, gelados) e impessoais departamentos de marketing de acordo com pesquisas científicas e estratégias de venda, mas nada me impede de imaginar que as grandes fábricas de sorvete empreguem especialistas exclusivamente para pensar em novos sabores. Profissionais muito bem pagos cuja única função consiste em, vez por outra, invadir a sala da diretoria e anunciar:
Bolei um novo sabor!
Grande alvoroço. Todos os chefes de departamento são convocados enquanto o inventor do novo sabor escreve sua criação num papel, para não haver o risco de esquecer. Finalmente, com todos reunidos, com uma unidade inteira da fábrica parada e esperando, ela revela a ideia.
— “Chucruva”! Chocolate por fora, uma camada de crocante, e uva por dentro!
Aplausos. Vivas. Ele se superou outra vez. Produção e promoção são postas em marcha frenética enquanto o bolador de sabores volta para a sua sala, entre tapinhas nas costas, para pensar em outro.
Ele teria que ter um talento especial, ao mesmo tempo malévolo — só quem está de dieta sabe como dói resistir ao apelo de cada novo sabor cuidadosamente lançado para ser irresistível — e infantil, inocente e calculista. E seria um profissional valorizadíssimo. — Sabe quem é aquele ali?
Quem?
O criador do “Nhaque”!
Do quê?
Do “Nhaque”. Caramelo, morango, nata e um núcleo de mel e amêndoas. Um clássico. Ele é uma legenda viva no ramo. Acaba de recusar uma proposta milionária da Kibon.
Olhe, ele está de olhos fechados... e sorrindo como um anjo!
Deve estar pensando num novo sabor.
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

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