“Você
não acha”, diz Floripes, “que devíamos ficar noivos? Estamos
namorando há mais de dois anos, vou fazer trinta anos…”
Para
mudar de assunto, pergunto:
“Como
é mesmo aquela história do seu nome?”
“Já
te contei, várias vezes.”
“Mas
gosto de ouvir.”
Sei
que Floripes adora contar as lendas referentes ao seu nome.
“Está
bem, está bem. Floripes era uma moura encantada que deambulava à
noite na vila de Olhão. Os pescadores acreditavam que, seduzidos
pelo seu feitiço, morreriam ao tentar atravessar o mar. Mas isso é
apenas um resumo duma história enorme sobre a formosa mulher vestida
de branco que, durante a noite, aparecia na porta do Moinho do
Sobrado. Você quer ouvir tudo?”
“Uma
parte, pelo menos.”
Eu
não queria voltar ao assunto referente ao noivado.
“Ela
usava um véu sobre o rosto e uma flor nos cabelos louros”,
continuou Floripes. “Apenas uma pessoa, uma única pessoa, que se
chamava Julião, teria falado com ela. ‘Sou a desditosa Floripes’,
disse ela, com uma expressão triste no rosto, ‘uma moura
encantada. Quando a minha raça foi expulsa da província, viu-se o
meu pai obrigado a partir, sem poder prevenir-me. Eu tinha um
namorado, que também fugiu, e aqui fiquei sozinha, aguardando a cada
momento que o meu pai me viesse buscar. Numa noite em que esperava,
vi ao longe a luz de uma embarcação. A noite era de tormenta, e o
barco espatifou-se de encontro aos rochedos. Não era o meu pai que
ali vinha: era o meu namorado, que foi engolido pelas ondas. O meu
pai soube deste funesto acontecimento e, vendo que não lhe era
possível vir buscar-me, fazendo uso da magia, deixou-me aqui. Só
existe uma maneira de salvar-me.’”
Floripes
fez uma pausa.
“Meu
amor”, disse ela, “vou resumir a história, temos coisas mais
importantes para conversar”.
A
coisa mais importante sobre a qual ela queria falar era o noivado.
Senti que suava frio.
“Resumindo
a história, a única maneira de salvar a moura encantada era um
homem lhe dar um abraço à beira de um rio e logo feri-la no braço
esquerdo. Em seguida, ele teria que acompanhá-la até a África, e
lá casar-se com ela. Mas Julião tinha casamento marcado com outra
mulher e recusou-se a fazer o que Floripes pedia. E assim, Floripes
continuou encantada, vagando durante a noite e apavorando os
pescadores de Olhão. Pronto, chega.”
Eu
sabia o que viria em seguida.
“Então,
quando ficamos noivos?”, perguntou Floripes.
Sei
que Floripes está doida para casar devido à sua idade. Ela diz que
vai fazer trinta, mas na verdade vai fazer quarenta anos.
“Não
sei, minha querida, estou aguardando uma promoção…”
“Você
está aguardando essa promoção há mais de um ano”, respondeu
Floripes, sem esconder sua irritação. “E você sabe que tenho
recursos, meu pai, quando morreu, deixou-me uma grande quantidade de
bens.”
Meu
erro foi ter tido, como direi, intimidades com Floripes quando a
conheci. Mas o meu desejo logo perdeu a força, expirou. E quando ela
quer ir para a cama comigo, dou uma desculpa, digo para esperarmos o
casamento, que é mais correto agirmos assim. Na verdade, sei que
novamente deixarei de ter uma ereção, e não poderei dar a mesma
explicação, como aconteceu antes, dizer que não estou me sentindo
bem.
“Podemos
passar a nossa lua de mel em Olhão”, disse Floripes, “é uma
cidade linda, fica no Algarve, uma região do sul de Portugal que tem
o melhor clima da Europa”.
Neste
momento estou no meu apartamento de quarto e sala, em Copacabana.
Pode haver coisa pior do que morar em um apartamento de quarto e sala
na avenida Nossa Senhora de Copacabana? Quando chego do trabalho,
gosto de caminhar na rua, mas em Copacabana isso é impossível. As
ruas vivem cheias o dia inteiro, gente fazendo compras, sujeitos
vendendo bugigangas, mendigos pedindo esmolas, velhos e velhas, gente
de todas as idades olhando vitrines cheias de porcarias, enquanto os
carros e ônibus e caminhões que trafegam pela avenida fazem um
barulho infernal e enchem os nossos pulmões de gazes cancerígenos.
Eu inventei a minha promoção, não vou ser promovido. Floripes
pensa que sou escriturário, mas sou contínuo. Vou ter de casar com
a Floripes.
Mas
li, não sei onde, que existe o chamado “casamento branco ou
celibatário, sem relações sexuais”. Vou propor isso a Floripes.
Como será que ela vai reagir?
Ai,
meu Deus, não sei o que fazer.
Rubem
Fonseca, in Amálgama
Nenhum comentário:
Postar um comentário