segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Eternidade e moral

Ninguém soube dizer, até os dias de hoje, o que é o bem e o mal. Será o mesmo, certamente, no futuro. Pouco importa a relatividade: só conta a impossibilidade de não fazer uso destas expressões. Sem saber o que é bem, nem o que é mal, e qualifico as ações, entretanto, em boas ou más. Se me perguntassem em razão de quê me pronuncio de tal forma, eu não saberia responder. Um processo instintivo me faz apreciar as coisas segundo critérios morais; pensando nisto em retrospectiva, não lhes encontro mais nenhuma justificação. A moral tornou-se tão complexa, e tão contraditória, porque os valores morais cessaram de se constituir em ordem da vida para se cristalizar numa região transcendente, não mantendo mais do que frágeis contatos com as tendências vitais e irracionais. Como fundaríamos, então, uma moral? A palavra bem me dá vontade de vomitar, de tão insossa e inexpressiva. A moral ordena-nos a obrar pelo triunfo do bem. De que maneira? Por meio do cumprimento do dever, do respeito, do sacrifício, da modéstia, etc... Nisto somente vejo, por minha parte, palavras vagas e vazias de sentido: frente ao fato bruto, os princípios morais revelam-se tão vãos que nós nos perguntamos se não valeria mais à pena, no final das contas, viver sem critérios. Adoraria um mundo que não tivesse nenhum, sem forma nem princípio - um mundo da indeterminação. Pois, no nosso, esses conceitos exasperam mais do que qualquer absolutismo normativo. Eu vejo um mundo de fantasia e sonho, onde debater sobre a legitimidade das normas não teria mais nenhum sentido. Uma vez que, de toda maneira, a realidade é irracional na sua essência, para quê separar o bem do mal - para quê distinguir o que quer que seja? Aqueles que sustentam que podemos, apesar de tudo, salvar a moral frente à eternidade enganam-se redondamente. Eles afirmam que apesar do triunfo do prazer, das satisfações menores e do pecado, só subsistem, diante da eternidade, a boa-ação e a realização moral. Depois das misérias e dos prazeres efêmeros, presenciamos - é o que dizem - o triunfo final do bem, a vitória definitiva da virtude. Eles não devem ter notado que se a eternidade varre as satisfações e prazeres superficiais, ela varre não menos tudo aquilo a que chamamos virtude, boa-ação e ato moral. A eternidade não conduz nem ao triunfo do bem, nem ao do mal: ela anula tudo. Condenar o epicurismo em nome da eternidade é um absurdo. Em quê meu sofrimento me faria durar mais tempo do que um bon vivant? Objetivamente falando, o que pode significar o fato de que um indivíduo estremeça na agonia, enquanto um outro chafurda na volúpia? Que soframos ou não, o vazio nos engolirá indiferente, irremediavelmente e para sempre. Não saberíamos falar de um acesso objetivo à eternidade, mas somente de um sentimento subjetivo, fruto de descontinuidades na experiência do tempo. Nada daquilo que cria o homem pode conduzir a uma vitória definitiva. Por que embriagar-se em ilusões morais, quando existem ilusões muito mais belas? Aqueles que falam da salvação moral frente à eternidade evocam o eco indefinido no tempo do ato moral, sua ressonância ilimitada. Nada é menos verdadeiro, pois aqueles que se dizem virtuosos - na verdade, simples covardes - desaparecem muito mais rapidamente da consciência do mundo do que os adeptos do prazer. De qualquer maneira, mesmo no caso contrário, o que significariam algumas dezenas de anos suplementares? Todo prazer não realizado é uma ocasião perdida pela vida. Assim, não serei eu o responsável por brandir o sofrimento ao mundo, a fim de interditar-lhe as orgias e os excessos. Deixemos os medíocres falarem das consequências dos prazeres: as da dor não são muito mais sérias? Somente um medíocre desejará, para morrer, atingir o estado da velhice. Que sofram, então, ou embriaguem-se, que bebam do cálice do prazer até a última gota, que chorem ou riam, que gritem de alegria ou desespero - nada restará de toda forma. Qualquer moral não tem outro objetivo além do de transformar esta vida numa soma de ocasiões perdidas.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

Nenhum comentário:

Postar um comentário