Aos
vinte anos escreveu suas memórias. Daí por diante é que começou a
viver. Justificava-se:
— Se
eu deixar para escrever minhas memórias quando tiver setenta anos,
vou esquecer muita coisa e mentir demais. Redigindo-as logo de saída,
serão mais fiéis e terão a graça das coisas verdes.
O
que viveu depois disto não foi precisamente o que constava do livro,
embora ele se esforçasse por viver o contado, não recuando nem
diante de coisas desabonadoras. Mas os fatos nem sempre correspondiam
ao texto e, para ser franco, direi que muitas vezes o contradiziam.
Querendo
ser honesto, pensou em retificar as memórias à proporção que a
vida as contrariava. Mas isto seria falsificação do que
honestamente pretendera (ou imaginara) devesse ser a sua vida. Ele
não tinha fantasiado coisa alguma. Pusera no papel o que lhe parecia
próprio de acontecer. Se não tinha acontecido, era certamente
traição da vida, não dele.
Em
paz com a consciência, ignorou a versão do real, oposta ao real
prefigurado. Seu livro foi adotado nos colégios, e todos
reconheceram que aquele era o único livro de memórias totalmente
verdadeiro. Os espelhos não mentem.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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