quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Os pobres e os ricos

Bola 7 bateu na porta da minha casa, minha casa porra nenhuma, meu barraco, nem meu barraco é, eu alugo essa merda, fica no alto do morro e lá embaixo eu vejo as casas dos bacanas todas iluminadas, os putos dão festas todos dos dias, o dinheiro está sobrando, e eu tenho ódio deles, tenho ódio de todos os ricos, todo mundo odeia os ricos, e eu jogo pedras nas casas dos putos, mas as pedras não chegam lá, eu sou raquítico, sempre comi mal, não tive peito de mãe para mamar e, no abrigo, só tomava pela metade uma espécie de sopa de massa, e o Bola 7 bateu na porta do barraco e entrou, todo curvado, carregando um embrulho, e disse, gaguejando, ele tinha antigamente o apelido de Gaguinho, mas, depois de matar três que o chamaram de Gaguinho, ninguém mais teve coragem de chamar o Bola 7 de Gaguinho, mas ser chamado de Bola 7 ele não se incomodava, ele é um fodão na mesa de sinuca, eu também jogo, mas sou perna de pau, sou nervoso quando vejo as bolas na mesa, a branca tacadeira, tenho medo de esquecer o valor delas e fico repetindo para mim mesmo, vermelha um ponto, amarela dois, verde três, marrom quatro, azul cinco, rosa seis e a preta sete, o Bola 7 era preto retinto, igual a bola sete da mesa, mas eu fico nervoso e começo a fazer merda na tacadeira e encaçapo a bola errada e sou castigado e me fodo em copas, e o Bola 7 me disse, abrindo o embrulho que carregava, vou deixar essa joia com você, aqui os homens não dão as caras, você tem ficha limpa, venho apanhar quando a barra estiver limpa, e me mostrou uma espécie de carabina, eu nunca tinha visto nada igual, e o Bola 7 disse, este é um fuzil ganan, ou fuzil garnan, um nome assim, e isso aqui em cima é uma lente telescópica, com ela você vê longe, esconde bem este material, devo voltar aqui em uma semana, e o Bola 7 embrulhou o fuzil com a tal lente que via longe e ele mesmo escondeu o embrulho no armário, mas antes me disse, ela tem uma bala para ser disparada, mas está travada, está vendo isto aqui, isto trava e destrava o fuzil, assim trava, assim destrava, vou travar, viu?, está travada, e saiu depois de espiar a rua, e não demorou muito, acho que dois ou três dias, e me disseram que o Bola 7 havia sido morto pela polícia, e então, de noite, eu fui no armário e tirei o fuzil de dentro do embrulho e olhei pela lente a casa toda acesa de um rico filho da puta e levei um susto, eu via a cara das pessoas, as roupas das mulheres, os garçons servindo todo tipo de bebida, umas claras, outras escuras, em todo tipo de copo, uns compridos, outros redondões, outros pequenos, e os ricos riam, rico ri o tempo todo, então eu pensei, vou matar um filho da puta desses, o certo seria o dono da casa, mas eu não sabia quem era o dono da casa, então escolhi um gordo, o cara é gordo porque come muito, da mesma forma que eu sou magro porque passo fome, então, conforme o Bola 7 ensinou, eu destravei a arma e mirei no gordo e apertei o gatilho e atirei e o gordo caiu no chão e todos os ricos começaram a correr de um lado para o outro, não sabiam de onde a morte tinha atacado e eu fiquei no escuro olhando pela lente, sempre pensei que a felicidade não existia, mas a felicidade existe, eu estava feliz.
Rubem Fonseca, in Amálgama

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