Assim
que entrei na sala, ele apontou para a mesa.
– O
que tem aí?
– Um
copo.
– Para
que serve?
– Para
beber.
Ele
inverteu a posição do copo. Colocou-o de boca para baixo.
– E
agora? O que é?
– Continua
sendo um copo. A ordem dos fatores não altera o produto.
– É
o que você pensa.
– Não
é o que penso. É o que é!
– Um
copo? Sim? Mas olhe. Não tem boca. Não tem fundo! Portanto, é um
objeto inútil.
– Ah,
quer me provar que a definição das coisas depende da posição em
que se encontram?
Não
me respondeu. Foi até um armário, trouxe uma colher.
– O
que é isto?
– Uma
colher.
– Para
que serve?
– Para
comer.
– Mas
se não houver comida, é um objeto inútil?
– Claro!
– E
se é um objeto inútil, por que todas as pessoas têm em casa
gavetas cheias de colheres, garfos, facas? Tem pessoas que compram
faqueiros caríssimos, vários faqueiros, de prata, aço inoxidável.
Até de ouro. Por quê?
– Em
certos momentos esses objetos são necessários.
Ele
não estava me irritando. No fundo eu estava curiosa para ver onde
ele ia chegar. Tínhamos marcado a entrevista para saber se eu era
qualificada para o emprego. A secretária tinha avisado: “Seja
pontual. Não chegue nem um minuto depois, nem um segundo antes.
Chegue no horário previsto.” Combinei com ela, acertamos nossos
relógios, da mesma maneira que se faz em filmes, quando um bando vai
roubar um banco e a ação tem de ser cronometrada.
– Você
está afirmando que parte do nosso tempo é composta por momentos
inúteis. De que maneira poderíamos tornar úteis esses momentos?
– Não
sei! Nunca tinha pensado nisso, estou embaraçada. Vim apenas fazer
uma entrevista para obter um emprego.
– O
emprego é esse! Descobrir os momentos úteis e os inúteis. Eliminar
os inúteis, para dar sentido à nossa vida.
Agora,
eu estava começando a ficar confusa. Que diabo de emprego seria
esse? Qual a minha função, se é que eu teria a vaga. Lá fora, uma
fila imensa rodeava o quarteirão, contornava a praça. Cada um com a
sua senha, onde estava marcado o horário.
– Compreendeu
a sua missão?
– Ainda
não.
– Assim
é impossível trabalhar. Tenho um mundo de gente a atender ainda
hoje. É preciso ser esperto. O que é isso?
– Uma
mesa, claro.
Ele
curvou-se, arrancou os pés da mesa.
– E
agora?
– É
uma tábua.
– O
que posso fazer com ela? Pode me servir de mesa?
– Se
for em um restaurante japonês, todos sentados no chão.
– Falo
deste mundo ocidental em que vivemos.
– Bem,
isso é apenas uma tábua. Pode ser serrada e transformada em
qualquer outra coisa.
– Você
está me dizendo que os objetos podem ser reciclados?
– Podem.
– Posso
transformar essa tábua em um copo?
– Impossível!
– Portanto,
nem tudo pode ser reciclado.
– Nem
tudo.
– Portanto…
– Portanto
o quê?
– Eu
é que pergunto: portanto?
– Portanto
não é pergunta.
– Não
posso usá-la em uma indagação?
– Por
que não usa outra palavra? Por enquanto, no entanto?
– Têm
o mesmo significado?
– Nada
tem significado algum. Nós é que damos significados às coisas.
Portanto, cada coisa é aquilo que eu quero que seja.
– Acho
que vai ganhar a vaga.
– Mas
uma vaga tem que estar desocupada. Para ser vaga. Ser útil. Ter
sentido.
– Portanto…?
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras Proibidas
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