O
casal desenvolvera um método para se comunicar de longe nas reuniões
sociais. Quando ele esfregava o nariz queria dizer “vamos embora”.
Quando ela puxava o lóbulo da orelha esquerda queria dizer
“cuidado”, geralmente um aviso para ele mudar de assunto. Puxar o
lóbulo da orelha direita significava “você já bebeu demais”.
Naquela
noite houve uma confusão nos sinais. Mais tarde, em casa, ela
gritava:
— Você
não me viu quase arrancar a orelha esquerda, não?
— Vi,
e parei de beber.
— Orelha
esquerda não é parar de beber. Orelha esquerda é mudar de assunto!
— Confundi,
pronto.
Ele
não entendera o sinal e continuara a contar, às gargalhadas, um
caso que ouvira. O caso das vassouradas.
*
* *
Acontecera
durante o carnaval. A mulher tinha ido visitar parentes em Vitória,
mas voltara antes do combinado e cruzara na porta de casa com o
marido, que saía vestindo um sarongue. Se não estivesse de sarongue
ele teria inventado uma história para justificar sua saída de casa
àquela hora, numa terça-feira gorda. A súbita vontade de comer um
pastel, alguma coisa assim. O sarongue inviabilizava qualquer
desculpa. Um sarongue não se disfarça, não se explica, não se
nega. O sarongue está no limite da tolerância e do diálogo
civilizado. E como o diálogo era impossível, a mulher partira para
a agressão. Buscara uma vassoura dentro da casa. E correra com o
homem para dentro de casa a vassouradas. A vassouradas!
*
* *
— Você
não sabia que foi com eles que aconteceu? Com os donos da casa? —
gritou a mulher. E completou: — Seu panaca!
— Como
é que eu ia saber? Me contaram a história mas não disseram quem
era!
— E
eu puxando a orelha feito doida.
*
* *
Mais
tarde, na cama, ele racionalizou:
— Bem
feito.
— O
quê?
— Pra
ela. Não se bate num homem com uma vassoura.
— Ah,
é? E o sarongue?
— Não
interessa. Nada justifica a vassourada.
— Sei
não...
— Podia
bater. Podia pedir divórcio. Mas vassourada, não.
O
seu tom era o de quem estabelece um dogma. Um mandamento para todos
os tempos. Botar o marido para dentro de casa a vassouradas feria a
dignidade básica de todos os homens, mesmo os de sarongue.
Aí
a mulher disse que o mal já estava feito e que só precisavam
repassar o código para que coisas como aquela não acontecessem
mais.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amores veríssimos
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