Vem
de novo à baila a velha questão do abastecimento d’água à
cidade. O povo já discute as cláusulas de que se comporá o
contrato e, com a febre que sói acompanhar o assunto, já meia dúzia
de homens andou fazendo sondagens, “Cafurna” em fora, escalando
acidentados terrenos, até às águas serenas que fertilizam a terra
serrana do “Amaro”.
Tu,
leitor, com certeza estás contentíssimo com o veres em foco uma
questão que de perto te interessa.
Entretanto,
eu, em vez de ficar alegre como tu, entristeço sempre que se me fala
em tal assunto... Nem imaginas o mal que nos vem trazer esse
melhoramento que se discute com tanto calor, apesar de ser uma coisa
tão fria o que ele nos traz.
Pensas
então, leitor amigo, que beberemos da água e nos banharemos nela,
andando de bolsos escassos como andamos?
Qual
nada! Aquilo é coisa que só virá servir aos ricos. Bem entendido,
no caso imaginário de vir, o que é tão fácil como transportar-se
para o lado oposto aquela serra ali defronte, embora o mestre Jovino
me dissesse que, no tempo em que estudava certa ciência, era capaz
de fazê-lo, com a fé que lhe povoava a cabeça, que anda cheia hoje
em dia de notas de música e de águas sulfurosas...
Ora,
se o líquido em questão, transportado em velhas e ferrugentas
latas, nas costas de bons animais, lentos e orelhudos, que andam a
trote as estradas, ruminando a sua filosofia, já ninguém o bebe,
tão alto é o preço, imagine-se o que será quando vier entre as
paredes redondas de canos americanamente caros! Aí sim! Teremos de
comprar água de acordo com o câmbio...
E
sendo propriedade de empresa... Empresa! Só por si esta palavra
apavora! E cá sabemos por que... Por isso vamos fazer promessas para
que se deixem as fontes em paz, se é que não queremos morrer de
sede…
Graciliano
Ramos, in O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 10,
3/04/ 1921
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