Nos
países subdesenvolvidos, a arte (literatura, pintura, escultura)
entra quase sempre em conflito com as classes possidentes, com o
poder instituído, com as normas de vida estabelecidas. Em revolta
aberta, o artista, originário por via de regra da média e da
pequena burguesia ou mais raramente das classes proletárias,
contesta o statu quo, propõe soluções revolucionárias ou,
quando estas não podem sequer divisar-se, limita-se a derruir (ou a
tentar fazê-lo pela crítica, violenta ou irônica) o baluarte dos
preconceitos, das defesas que os beneficiários do sistema de
produção ergueram contra as aspirações da maioria. Nas sociedades
industriais mais adiantadas, o artista pode permanecer numa atitude
idêntica de inconformismo; porém, os resultados da sua atividade de
criação e reflexão tornam-se matéria vendável e, nalguns casos,
matéria integrável.
O
consumo do objeto artístico, seja ele o livro, o quadro ou o disco,
quando feito sob uma tutela de opinião, que os meios de comunicação
de massa, em escala larguíssima, exercem, torna-se, senão
totalmente inócuo, pelo menos parcialmente esvaziado do seu conteúdo
crítico. Despotencializa-se. Amolece. É o que se verifica, por
exemplo, em boa parte, nos Estados Unidos. A ideologia repressiva da
liberdade no mundo capitalista monopolista torna-se tanto mais
perigosa quanto absorve, ou procura absorver, as próprias formas
políticas de exercício das liberdades ditas essenciais, quando
aceita no seu seio o escritor, acusador iconoclasta por natureza,
recuperando-o em banho asséptico, limando-lhe os dentes. Mas,
entendamo-nos, nem sempre o artista se dá conta dessa operação,
até porque nem sempre, de facto, é ele próprio o paciente da
operação que lhe reduz a perigosidade, senão que o é, sim, a sua
obra, a qual, pelo poder diminutivo de uma dada comercialização, se
retifica.
Urbano
Tavares Rodrigues, in
Ensaios de Escreviver
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