terça-feira, 11 de setembro de 2018

O gam

A razão expressa pela qual Ahab não foi a bordo do baleeiro de que falávamos foi esta: o vento e o mar agouravam tempestades. Mas, mesmo que não tivesse sido este o caso, ele, afinal de contas, talvez não o fizesse – a julgar por sua conduta subsequente em ocasiões similares – se ocorresse que, no processo da saudação, recebesse uma resposta negativa à pergunta que fazia. Pois, como por fim se revelou, ele não dava importância à convivência, nem mesmo por cinco minutos, com um capitão desconhecido, a não ser que este pudesse contribuir com alguma informação sobre o que ele arrebatadamente buscava. Mas tudo isso pode ainda ser avaliado inadequadamente, se aqui não se disser alguma coisa sobre os costumes particulares dos navios baleeiros quando se encontram em águas estrangeiras, e em especial numa mesma zona de navegação.
Quando dois estranhos, atravessando as áridas terras de Pine Barrens, no Estado de Nova York, ou as igualmente desoladas planícies de Salisbury, na Inglaterra, casualmente se encontram em tais agrestes inóspitos, eles não deixam, de maneira alguma, de fazer uma saudação mútua; e de parar por um momento para trocar notícias; e, talvez, de sentar um pouco e descansar conciliados: assim, seria ainda mais natural que, nas ilimitadas Pine Barrens e Salisbury do mar, dois navios baleeiros que se avistam nos confins do mundo – ao largo da isolada ilha de Fanning, ou das distantes King’s Mills; muito mais natural, repito, que em tais circunstâncias, os navios não apenas trocassem saudações, como tivessem um contato mais próximo, amistoso e sociável. E isso pareceria especialmente obrigatório no caso de duas embarcações que pertencessem ao mesmo porto, e cujos capitães, oficiais e não poucos marinheiros se conhecessem pessoalmente; e que, consequentemente, tivessem todos os tipos de diletos assuntos domésticos para conversar.
Para o navio ausente há mais tempo, o que ainda está em início de viagem, talvez, traz cartas a bordo; de qualquer modo, este certamente terá alguns jornais um ou dois anos mais recentes do que o outro, nas suas tão surradas e compulsadas pastas. Para compensar a gentileza, o navio que está começando a viagem receberia as últimas notícias baleeiras sobre a zona de caça à qual se destina, informação de importância capital. E do mesmo modo tudo isso vale também para os navios baleeiros que se cruzam na mesma zona de caça, mesmo que ambos estejam há muito longe da pátria. Pois um deles pode ter recebido uma transferência de cartas de um terceiro navio, agora distante; e algumas dessas cartas podem ser destinadas a pessoas do navio encontrado. Além disso, trocariam notícias baleeiras e teriam uma conversa agradável. Pois não apenas esses homens contariam com toda a simpatia dos marinheiros, mas também com as solicitudes peculiares que surgem de uma mesma busca e privações e perigos mutuamente compartilhados.
Tampouco a diferença de país faria grande diferença; isto é, desde que os dois grupos falassem a mesma língua, como é caso dos norte-americanos e dos ingleses. Ainda que, a bem da verdade, devido ao pequeno número de baleeiros ingleses, tais encontros não ocorram com muita frequência, e, quando ocorrem, é fácil haver um certo acanhamento entre os dois; pois o Inglês é um tanto reservado, e o Ianque não aprecia esse tipo de coisa em mais ninguém a não ser nele mesmo. Além disso, os baleeiros Ingleses, às vezes, demonstram um tipo de superioridade metropolitana em relação aos baleeiros Norte-Americanos, considerando o que vem de Nantucket, alto e magro, com sua tacanhice indescritível, uma espécie de caipira do mar. Mas seria difícil dizer em que consiste realmente essa superioridade dos baleeiros ingleses, visto que os Ianques matam, em conjunto, mais baleias em um dia do que os Ingleses todos em dez anos. Mas essa é uma fraqueza menor e inofensiva dos baleeiros Ingleses, que os de Nantucket não levam muito a sério; provavelmente porque sabem que também têm as suas próprias fraquezas.
Assim, pois, vemos que de todas as embarcações que navegam no oceano os baleeiros são os que têm mais motivos para ser sociáveis – e, de fato, o são. Ao passo que alguns navios mercantes que cruzam as rotas no meio do Atlântico, às vezes, prosseguem sem trocar uma única palavra de reconhecimento, passando um pelo outro em alto-mar como dois dândis na Broadway; e, talvez, refestelando-se o tempo todo com críticas mordazes sobre a aparência do outro. Quanto aos navios de guerra, quando se encontram por acaso no mar, executam logo de início uma tal série de tolas mesuras e rapapés, uma tal agitação de bandeiras, que não parece haver muita sinceridade cordial, boa vontade ou amor fraternal nisso tudo. No que tange aos navios negreiros, ora, estes estão sempre com tanta pressa, que fogem uns dos outros o mais depressa possível. Quanto aos piratas, quando seus ossos cruzados se cruzam, a primeira saudação que fazem é – “Quantas caveiras?” –, do mesmo modo que os baleeiros fazem a saudação – “Quantos barris?”. E, com a pergunta assim respondida, os piratas separam-se imediatamente, pois são todos canalhas de quatro costados e não lhes agrada ver tanta semelhança com a canalhice alheia.
Mas veja o navio baleeiro, piedoso, honesto, humilde, hospitaleiro, sociável e simples! O que faz o baleeiro quando encontra outro baleeiro e o tempo é agradável? Faz um gam, uma coisa tão completamente desconhecida de outros navios, que nunca sequer ouviram esse nome; e, se, por acaso ouvissem, sorririam com superioridade e fariam gracejos sobre “jatos” e “caldeiras de gordura”, e outras exclamações jocosas. Por que será que os marinheiros mercantes, e também os piratas e marujos de navios de guerra e de navios negreiros, sentem tanto desdém pelos navios baleeiros? É uma pergunta difícil de responder. Pois, no caso dos piratas, por exemplo, eu gostaria de saber se há algum tipo de glória em sua profissão. Às vezes, terminam numa posição elevada incomum, de fato; mas só no alto de um cadafalso. E, além disso, quando um homem é elevado desse modo insólito, talvez não tenha fundamento o bastante para tanta superioridade. Portanto, devo concluir que o pirata, ao se vangloriar de estar acima do baleeiro, não encontra nessa asserção nenhuma base sólida para se sustentar.
Mas o que é um gam? Você pode gastar o indicador percorrendo as colunas dos dicionários e jamais encontrar essa palavra. O Dr. Johnson nunca alcançou tal erudição; a arca de Noé Webster não a inclui. Não obstante, essa palavra expressiva é usada constantemente há muitos anos por cerca de quinze mil Ianques legítimos. É claro que necessita de uma definição e que deveria ser incorporada ao Léxico. Com este objetivo, vou defini-la com erudição.

GAM. Substantivo – Encontro social de dois (ou mais) navios baleeiros, em geral, nas zonas de caça; quando, depois da troca de saudações, as tripulações nos botes se visitam mutuamente: os dois capitães permanecendo temporariamente a bordo de um navio, e os dois primeiros imediatos no outro.

Há mais um pormenor relacionado com o gam que não pode ser aqui esquecido. Todas as profissões têm os seus próprios detalhes peculiares; assim também é com a pesca das baleias. Num navio de guerra, de piratas ou de escravos, quando o capitão é levado de bote para algum lugar, sempre se senta na popa, ali, num assento confortável e acolchoado, e, com frequência, pilota ele mesmo com uma cana de leme muito bonita, decorada com laços e fitas alegres. Mas o bote baleeiro não tem assento na popa, nenhum tipo de sofá e nada de cana de leme. Que grande coisa seria se os capitães baleeiros fossem transportados pelas águas em sofás elegantes, como antigos conselheiros em cadeiras de rodas. Quanto à cana de leme, um baleeiro jamais admite tal efeminação; portanto, quando há um gam, a tripulação toda do bote deve sair do navio, e nesse grupo é o arpoador quem leva o leme do bote, o subordinado é então o timoneiro, e o capitão, sem lugar para se sentar, é transportado de pé, como um pinheiro, para a sua visita. Muitas vezes, percebe-se que, estando consciente de que os olhos de todo o mundo visível estão voltados para ele dos costados dos dois navios, esse ereto capitão atenta para a importância de sustentar sua dignidade, mantendo-se em pé. O que não é uma tarefa muito fácil; pois na popa também fica o enorme remo do piloto que, ao se mover, vez por outra, bate em suas costas, e o remo da frente retribui, dando-lhe pancadas nos joelhos. Preso dessa forma, pela frente e por trás, ele pode apenas se mexer para os lados, apoiando-se nas pernas esticadas; mas um balanço súbito e violento do bote pode fazê-lo tombar, pois a extensão da base não é nada sem a largura correspondente. Faça um simples ângulo bem aberto com duas varetas e veja como não consegue mantê-las em pé. Também não conviria, diante dos olhos cravados do mundo todo, não seria nada conveniente, repito, que esse capitão de pernas abertas fosse visto agarrando alguma coisa com as mãos, por menor que fosse, para se equilibrar; de fato, como sinal de seu autocontrole pleno e flutuante, ele em geral coloca as mãos no bolso da calça; mas talvez, por serem, em geral, mãos grandes e pesadas, ele ali as coloque como lastro. Ainda assim, há casos, de todo bem documentados, em que o capitão, num momento mais crítico, digamos, numa borrasca, pegou nos cabelos do remador mais próximo e ali se agarrou como a morte implacável.
Herman Melville, in Moby Dick

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