A leitora de romance (1888), de Vincente Van Gogh
“Como você sabe, uma ou duas vezes,
enquanto Gauguin estava em Arles, dei livre rédea às abstrações,
por exemplo em “Mulher na cadeira de balanço” ou “Leitora de
Romance”, preto numa biblioteca amarela; e naquela época a
abstração parecia-me um caminho encantador.
Mas é um caminho encantado, meu velho, e
a gente logo se vê contra um muro de pedra.
Não diria que não se possa aventurar
por ela depois de toda uma vida viril de pesquisas, de uma luta
direta com a natureza, mas não quero quebrar a cabeça com tais
coisas.
Passei todo o ano convivendo com a
natureza, sem pensar no Impressionismo ou nisto ou naquilo.
Não obstante, mais uma vez deixei-me ir
à procura de estrelas demasiado grandes – um novo fracasso – e
estou farto.
Por isso, estou trabalhando no momento
entre as oliveiras, buscando os efeitos variados de um céu cinzento
contra um chão amarelo, com uma nota verde escuro da folhagem; em
outra ocasião, o chão e a folhagem são em tom violeta contra um
céu amarelo; em outra ainda, um vermelho ocre no chão e um verde
rosa no céu.
Sim, certamente isso me interessa muito
mais do que as abstrações acima mencionadas.
Se há muito não lhe escrevo é porque,
como tive de lutar contra a minha doença, e aclamar a minha cabeça,
não me sentia inclinado a entrar em discussão, e essas abstrações
me pareciam perigosas.
Se eu trabalhar muito calmamente, os
belos motivos surgirão por si mesmos; realmente, acima de tudo é
preciso retemperar-se na realidade, sem qualquer plano preconcebido,
sem preconceito parisiense.
Falo-lhe dessas duas telas, especialmente
da primeira, para lembrar-lhe que podemos dar uma impressão de
angustia sem visar diretamente ao histórico Jardim de Getsêmani;
que não é necessário retratar os personagens do Sermão da
Montanha para produzir um motivo consolador e suave.
Ah! Sem dúvida é bom e justo ser
comovido pela Bíblia, mas a realidade moderna tem sobre nós tal
domínio que, mesmo se tentarmos reconstruir abstratamente os dias
antigos em nossos pensamentos, os pequenos acontecimentos nos
arrastam dessas meditações e nossas próprias aventuras nos lançam
de novo nas sensações pessoais – alegria, tédio, sofrimento,
cólera, ou sorriso.
Por vezes, errando encontramos o caminho
certo.
Compense isso pintando o seu jardim
exatamente como é, ou qualquer outra coisa que você queira.
Em todo o caso, é uma boa coisa buscar a
distinção, a nobreza nas feições, e os estudos representam um
esforço real e, em consequência, alguma coisa bem diferente da
perda de tempo.
Saber dividir uma tela em grandes planos
que se fundem, encontrar linhas, formas que contrastam, isso é
técnica, truques se você quiser, cozinha, mas ainda assim um
indício de que você se aprofunda na sua arte, o que é um bom
sinal.
Por mais odiosa que a pintura possa ser,
por mais onerosa que seja nos tempos que vivemos, se quem escolheu
esse ofício o pratica zelosamente, será um homem do dever, sólido
e fiel.
A sociedade torna nossa existência bem
penosa, por vezes, e daí também a nossa impotência e a imperfeição
de nossos trabalhos.
Acredito que até mesmo Guaguin sofre
muito com isso, e não desenvolver-se, como tem a capacidade para
fazer.
Sofro com uma falta absoluta de modelos.
Mas, por outro lado, há aqui belos lugares.
Acabei de fazer cinco telas tamanho 30,
oliveiras. E a razão da minha permanência aqui é minha saúde está
melhorando muito.
O que estou fazendo é duro, seco, mas
isso porque estou tentando adquirir forças novas através de um
trabalho um pouco rude, e tenho medo de que as abstrações me
debilitem.”
Carta
de Van Gogh a Émile Bernard, St. Rémy, início de dezembro de 1889
Nenhum comentário:
Postar um comentário