Negócios
infelizes, empreendimentos desastrados, planos que a realização
desmoronou, numa sequência obstinada de insucessos, diz-se que há
caveira de burro. Por mais precauções, exames prévios,
previsões cautelosas, a empresa, inexplicavelmente, falha. Com uma
nova mobilização de recursos, técnicas, os auxílios mais variados
e próprios, positiva-se apenas uma nova falência, injustificada e
misteriosa. Tem caveira de burro enterrada...
O burro,
entretanto, prestar-se-ia a ser um padroeiro excelente. É teimoso,
resistente, inesgotável. Alimenta-se do que encontra, inclusive
cardos e papel. Enfrenta a fome, a sede, o excesso de cargas
transportadas, estoicamente. O jumento é credor da gratidão
nacional pela sua secular colaboração resignada e permanente. O
Padre Antônio Vieira, de Iguatu, Ceará, dedicou-lhe um volume
documentadamente exaltador, O jumento, nosso irmão (Rio de
Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1964). Não há criatura mais
simpática, modesta e generosa. É um dos animais de profunda
inteligência, raciocínio arguto, prodigioso instinto nas fronteiras
da genialidade.
O Folclore,
consagrador e justo para outras espécies, apresenta o burro como um
modelo rústico de estupidez, bestialidade incurável, obstinação
irracional. Quase todos os animais têm sido representados como
mascotes. Bons agouros. Amuletos contra o mau-olhado. Menos o burro.
Não aparece nas pulseiras, colares, brincos, balangandãs.
Maltratado, injustiçado na consideração dos homens, escravo sem
direitos, alimentado a chicote e pau, deita-se apenas para morrer.
Nenhuma assistência, afago, compreensão por parte do dono,
perpetuamente ávido do seu esforço. Não há bom tempo para o
burro-jumento. Que pode anunciar de sucesso, vitória e êxito?
Sua caveira
recordará uma existência funcionalmente desgraçada, sem alegrias e
compensações naturais.
Caveira de burro
testifica esse cortejo infeliz. Não deverá, evidentemente, proteger
os júbilos da satisfação material. Anuncia miséria.
Luís da Câmara
Cascudo, in Coisas que o povo diz
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