Nos breves intervalos em que a chuva
parava de cair e os raios de sol se infiltravam pelas nuvens, o
arco-íris aparecia levando os homens a se lembrar da promessa que
Deus fizera depois do dilúvio: ele nunca mais permitiria que as
águas destruíssem a vida. Mas parece que ele se esquecera. A chuva
caía sem parar alagando campos, inundando cidades, derrubando casas,
matando gente e bichos.
Ele era um menino de 14 anos, feliz, que
gostava de viver. Filho único, morava em Floripa. Como todos os
meninos e meninas, ele deveria ir à escola naquele dia porque a
chuva não estava tão forte assim. E andar na chuva é uma arte que
dá alegria às crianças.
Chegou a hora do recreio, tempo livre
para brincar. A chuva voltou a cair mais forte, com raios e trovões.
Havia um lugar abrigado da chuva, uma marquise, construída fazia
três semanas. Era uma cobertura de cimento, planejada por
engenheiros que sabiam o que estavam fazendo. Sólida. Ele se abrigou
sob a marquise para ver a chuva. Mas a marquise, ignorando ferro e
cimento, caiu sobre ele, esmagando-o. Agora, no seu lugar, resta uma
dor que nenhuma palavra pode conter.
A morte faz calar as palavras. São
inúteis. Servem para nada. Somente os tolos tentam consolar. Eles
não sabem que as palavras de consolo, brotadas das mais puras
intenções, são ofensas à dor da pessoa golpeada pela morte.
Porque elas, as palavras de consolo, são ditas no pressuposto de que
elas têm poder para diminuir o vazio que a morte deixou. Como se a
pessoa que a morte levou não fosse tão importante assim e algumas
palavras pudessem diminuir a dor que sua morte deixou.
Mas não há palavra ou poema que possa
com as únicas palavras que a morte deixa escritas: “nunca mais”.
Nada existe de mais definitivo e mais doloroso que esse “nunca
mais...”.
Bem fizeram os amigos de Jó que o
visitaram com o intuito de consolá-lo na sua desgraça. O texto
bíblico descreve o que aconteceu:
“Quando eles de longe o viram, eles
não o reconheceram; e eles levantaram suas vozes e choraram. E eles
se assentaram com ele no chão durante sete dias e sete noites, e
nenhum deles lhe disse uma palavra sequer, porque eles viram que o
seu sofrimento era muito grande” (Jó 2.13).
Todos os amigos querem diminuir o
sofrimento da mãe. Cercam-na com palavras que, pensam eles, trarão
algum consolo. Mas que palavra ou poema poderá substituir o seu
filho? E a chamam ao telefone para dizer-lhe suas palavras doces e
cheias das intenções mais puras. Mas a pureza das intenções não
garante a sua sabedoria. E aí, à dor da morte do filho,
acrescenta-se uma outra dor: a mãe é obrigada a ouvir os
consoladores delicada e pacientemente, com sorrisos de
agradecimento... Mas são tantos os consoladores e eles cansam
tanto...
Gestos de consolo, lembro-me de um que me
comoveu. Eu vivia em Nova York com a minha família. Aí o pai da
minha esposa foi morto num acidente, no Brasil. Ao abrir a porta do
apartamento, no chão estava um buquê de flores. Aquele que o
trouxera se retirara em silêncio. Não tocara a campainha. Mas
deixara um bilhete onde estava escrito: “Não quis perturbar a sua
dor...”.
Rubem Alves, in Pimentas: para
provocar um incêndio, não é preciso fogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário