Quando alguém mais
velho bebe líquido iniciado por gente moça, fica sabendo os
segredos desta. Não ocorre semelhante se o moço bebe o sobejo do
velho. Os segredos da velhice são intransmissíveis. O espírito do
velho será mais lento pela densidade que os anos provocaram, mais
difícil de comunicação inconsciente, mais vagaroso para deixar a
concha mental. O espírito jovem é que é mais fluido, vigoroso,
fácil no ímpeto comunicante.
O mistério do
sobejo revelar os segredinhos é o preceito do totum ex parte,
em que a parte está, mesmo dividida, idealmente unida ao todo de que
pertenceu. Como os velhos têm maior coesão, força espiritual,
capitalizada pela idade e experiência, a participação opera-se do
mais moço para o mais antigo e não vice-versa.
O líquido traz um
fragmento da vida interior do jovem, para a percepção anciã.
Nas recomendações
da magia branca há uma fórmula para evitar a comunicação, pelos
líquidos. É despejar fora um pouco, antes de beber. Interrompe a
cadeia de ligação, perdendo-se um elo, inutilizado no chão. E o
poder mágico sendo uma continuidade, uma sucessão de ondas
invisíveis e penetrantes, a dispersão de uma, desequilibra a
sequência regular das outras. Falta um elemento totalizante,
indispensável para a formação do conjunto.
Nec quid
nimis... Recordando Nicolau Tolentino nas “funções”
familiares de Lisboa, quando reinava Dona Maria Primeira, Rainha
Nossa Senhora:
Se o chichisbéu
seu vizinho
Lhe vai afagando os
dedos
Do terno, surdo
pezinho,
Se por saber-lhe os
segredos
Lhe bebe o resto do
vinho…
Luís da Câmara
Cascudo, in Coisas que o povo diz
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