Remexendo a esmo
meus baús de ideias encontrei esta frase que me comoveu: “Um homem
velho amando é como uma flor que floresce no inverno”. Não havia
indicação de quem era o autor. Também não tinha importância. Que
importância tem o autor? Vale para as palavras aquilo que Ângelus
Silésius disse sobre a rosa: “ A rosa não tem por quês. Ela
floresce porque floresce”.
Mas não há como
negar o fato de que flor florescendo no inverno e velho namorando na
velhice são fatos estranhos, incomuns, vão contra a natureza,
causam espanto. Os filhos, vendo as florescências do amor no rosto
do velho pai ou da velha mãe, tratam de tirar a tesoura de podar da
caixa de ferramentas porque velho amando é ridículo.
Já escrevi um
livro que conta estórias de velhos apaixonados: T. S. Eliot,
Florentino Ariza e Fermina Dazza, Hiroshi Okumura, o jardineiro
japonês apaixonado pela alemãzinha “Freulein”... É preciso
reconhecer que um velho e uma velha namorando de mãos dadas é uma
cena comovente. Mas um velho e uma velha trocando beijos e abraços
num jardim causa uma reação de espanto...
A Cristina Mattoso
me contou essa singela e dolorida estória que se segue que desejo
compartilhar com vocês:
Eles moravam numa
pequena cidade do interior do estado do Rio. Ele era muito querido
por todos apesar da sua juventude, pouco mais de trinta anos de
idade.
Ela era professora
e tinha quase vinte anos quando se apaixonou por ele.
Ele era simpático,
bonitão, estudioso e tímido. Ela era bela, delicada, discreta. Na
década de 1930, as mulheres deviam saber esperar. Se a mulher desse
o primeiro passo na direção do homem, ela seria malfalada.
Passaram-se dez
anos sem que se tornassem amigos. Só se viam de longe e só trocavam
as palavras essenciais. Ele não se casou. E nem ela.
Um dia,
repentinamente, ela precisou partir para São Paulo. Sua irmã mais
velha havia falecido e deixado três filhos ainda pequenos para
criar.
Seu cunhado era um
homem atraente, de olhos profundos e poucas palavras. Desnorteado,
não sabia o que fazer da vida. Cuidado vai, cuidado vem, ela se
afeiçoou pelas crianças e por aquele homem endurecido, que sorria
pouco e lindo. Aconteceu o inevitável. Ele perguntou se ela queria
casar-se com ele... Ela contou a verdade: que sentia um amor sem
futuro por um outro homem, mas que, se ele a aceitasse mesmo assim,
ela se casaria com ele.
Ele aceitou.
Casaram-se, tiveram outros filhos e viveram relativamente bem.
Depois de muitos
anos e alguns netos, um dia ela recebeu um telefonema surpreendente.
Era a irmã do então jovem médico que a estava avisando que ele
tinha se mudado para São Paulo. Velho e doente, queria vê-la. Com
as mãos trêmulas, anotou o endereço e com o coração agitado
procurou seu marido e contou o que estava acontecendo.
Para sua surpresa,
o marido imediatamente se levantou, vestiu o paletó e disse: Vamos!
Seguiram para o
hospital. O marido a deixou na porta do quarto, avisando-a que a
esperava no saguão.
Tiveram então, os
dois, a primeira longa conversa de suas vidas. Ele confessou que a
havia amado a vida inteira e que só a proximidade da morte lhe dera
a coragem de se aproximar.
Não se sabe o que
se passou nem o que sentiram quando se viram velhos e amados um pelo
outro — certamente seguraram-se as mãos — a vida inteira. Os
apaixonados de vida inteira voltaram a se ver e foram se vendo até
que o médico morreu, algumas semanas mais tarde, sorrindo por se
sentir amado.
A beleza das flores
que florescem no inverno está no seu perfume e na sua delicadeza.
Mas é uma beleza triste que floresce e perfuma durante a noite e
está morta pela manhã.
Rubem
Alves,
in
Pimentas:
para provocar um incêndio, não é preciso fogo
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