sábado, 9 de junho de 2018

Evanira!

Cap. I — Dois seres, trazidos todo o modo a um bosque, descobrem que, imemorialmente, se amam. Mas o irromper do amor coincide com a necessária separação. Sozinho o Narrador, sua alegria é mesmo assim imensa: vê-se transmudado; a esperança se convida com o sentido senso da eternidade (O Narrador tenta, em repetidos ímpetos, narrar o inarrável).

E o ar. Eu estava ainda só, tudo estava só, ai-de-quem, ali, naquele incongruir, na interseção de estradas, multiversante eu — soez, Joãpáulino, tediota — nos brejos do Styx. Apenas o que se imiscui em infusos antros e inigmais idades. (Mas, eu, vinham-me.). Minha vida: margens. ( Deus não estuda história. Deus expede seus anjos por todas as partes.) Vínhamos, nós dois, sem saber que vivíamos, vínhamos — do jamais para os sempre.

Entrem-se portas
Absolutas.

Às asas! às asas! — sussurra-se, no tumulto cessante. Éramos o dia era lindo, fazia muita manhã — inadvertida cascata — e a súbita flor sete-pétalas: ALEGRIA. (Suas joias lágrimas, tempo nenhum, uma ordem rejuvenescida, o tranquilo uso do amor .) Destino? —

...pilotado nesse rio
por anjos e leis e alegrias

(Soubesse-o? Ou eu não cantasse:)
Lá do céu caiu um cravo
cai uma rosa também:
quem não ama e tem saudades
está à espera de alguém, como

o não nascido quer o ar, ainda não respirado. Como a pedra, de asas inutilmente ansiosa. Como os cães elevam os ouvidos. Como o temer, sozinho, ver. Como o não saber.
Abro a paisagem.
Entra agosto em repouso, mesmo os ventos. Em nosso jardim há florestas e pausas. Só pulava o sabiá: só solilóquios. Às antes árvores, as plantas a abrolhar, os movimentos da alegria em hastes, os comedidos pássaros. Quando tudo era falante...

(O tema do anjo: ...
o Anjo (chegou e falou) nem fechou
as asas. Olhei: o Anjo não punha os pés no chão.
Um anjo vem sempre é do fundo da cena.)

À Amada: (— “Para que encurtar conversa?”). Foi um minuto: os relógios todos do mundo trabalhavam. Vejo-te, meu íntimo é solúvel em ti. Andam alvuras. (Ah, ela era bela, e minhalma se lembrou de Deus.) Amo-te (— “Meu amor...”) de repente, e me separo de um milhão de coisas. Uno-me. Eu, enfim, era eu, indispersado. A amada. O mundo o mundo o mundo.

o mar, que sob os ventos, vaga a vaga,
vem de thule, de ys, do bojador...
Anjo novo. Nós

e um som cheio de avencas penduradas,
restituindo-me: menino.
na casa do amor tudo era fraqueza.
Minha mãe brincando com bonecas me teve.
Olhos de me marejar.
só a fixação de repentina música.
Anjo novo.
(não só ouvir e ver, senão audir e contemplar. Te!)

E, pois, librando-se arcangelicamente, a alma almíssima, quando

a água
de mil côncavos, mil seios,
te envolve,
feliz, e contudo toda penetrante
Não mais ausente.

Todavia:

...e a vida são sempre outros rumos / que não os nossos. E o último abraço. (Um anjo só sente o amor como as árvores o orvalho?) O guarda, anticarcereiro, e sua invista — ficta — espada, não flamante. Vais-te. Todavia. Tenho sede, tenho fome: isto é, tenho o meu ser. Todavida. Tudo tive, tenho! Ao milagre. O Dom. O píncaro nevado: o — para sempre — cintilante : o cimo. Eis-me amor. Há tanto, há quando? anos? — doze mil, milhões, imensidões e mais... (E és: Vega — soberba estrela azul, a alvíssima)... fios mansos de mar... (De outra substância, outra alma e carne, de que nenhuma.) Anjo novo. Amor é algo, mais-perspicaz-que-o-mundo-e-inteiro — súbito decorridamente — através de quem nós:
o sempre: o cimo !
...“no meio do caminho” desta vida.
Guimarães Rosa, in Ave, palavra

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