Eu também tive um Dia dos Namorados
inesquecível. Foi em Paquetá, no ano de 1964. Faz tempo planejo
escrever um livro: 1964, o ano que terminou mal pra cacete!
Mas isso é outra história, outros idos
de março.
Sempre enjoei em barca, lancha, esqui...
Não sou um surfista renomado porque o Plasil não fez efeito. Meus
próprios sapatos, número 43, às vezes me provocam certa náusea.
Naquela fatídica manhã, do Dia dos
Namorados de 1964, eu e Marluce pegamos um dos raros nevoeiros da
Baía de Guanabara. Vagamos, ao sabor das ondas, de sete da matina
até o meio-dia e meia. Saltei na ilha mais vomitado que chão de
creche. Marluce apertou minha mão suavemente, tirou um tasco de
talharim de minha barba e tentou levantar o moral:
- Tá parecendo o Netuno...
Fomos para a Praia da Moreninha. Eu
conhecia urra passagem secreta que dava numas pedras, um nadinha de
areia imaculada, lugar maneiro mesmo, ideal para a prática do sarro.
Após percurso cheio de peripécias -
evitar cocô de farofeiro é pior do que o rali Paris-Dakar -,
chegamos ao paraíso. Pisei numa galinha preta apunhalada, mas não
perdi o bom-humor. Dei uma piscadinha marota pra Marluce e
cantarolei, mais de uma década à frente do Caetano:
- O Haiti é aqui...
Estendemos as toalhas. Começou um
chuvisquinho brando. O vento é que tava chato. Mangas desabavam
sobre nós feito um bombardeio de meteoros. Improvisei um abrigo com
minha capa de chuva e um pedaço de remo, num recanto estratégico
entre duas rochas.
- Vem pra cá, meu anjo, que tá sequi...
Blhursh! Tsk, pisei no cocô.
Quatro horas depois o temporal amainou,
Marluce voltou a si (ela desmaiara com o estrépito de um raio),
tomamos uns goles de vinho Raposa e eu toquei, ao violão, minha
paródia de Andança, para uso exclusivo em Paquetá: “Vim, tanta
areia andei, tanto cocô pisei...”.
Marluce ria feito uma louca -
provavelmente, não posso jurar, tomada por uma forma rara de
histeria pânica: estávamos cercados por uns vinte e cinco
cachorros, sendo que o menorzinho lembrava um pouco o doberman do
Göering. Perguntei se eles tinham visto “A Dama e o Vagabundo”,
rá, rá, rá, e corri pra água. O mar é meu chão. Marluce escalou
uma jaqueira. Ficamos conversando até o anoitecer, quando os cães,
atendendo ao chamado atávico da noite, foram uivar no diabo que os
carregue.
Marluce, desceu da jaqueira e me
esbofeteou.
- Covarde!
Sou normalmente um homem compreensivo,
mas o dia havia sido estafante. Dei-lhe uma banda, pulei por cima
dela disposto a estrangulá-la e... tive uma adorável ereção!
Tiramos rapidamente o que restava de
nossas roupas e deu-se uma espécie de répening suburbano, um
dantesco espetáculo de sexo grupai entre Marluce, esse locutor que
vos fala, cerca de dois mil mosquitos, morcegos, uma pequena coruja e
outros seres carentes que não identifiquei.
Inspirados no perfil escuro da Ilha de
Brocoió, minha partner e eu nos arrastamos para a beirinha d’água.
Penetrei o portal das delícias, dei uns solavancos empurrados pelas
marolas e senti que estava prestes a atingir o clímax.
Ensandecida de paixão (assim julgava
eu...), Marluce deu tamanho beliscão em minha bunda que eu...
- Aaaaaiiiiiiiiiiiiiiii!
Marluce entrou em verdadeiro frenesi:
- Me espera... me espera....
- Aaaaaiiiiiiiiiiiiiiiii!
- Aldir, querido... acho que nunca te vi
gozar assim...
- E quem é que tá gozando, pombas?
Solta minha... aaaaiiiiiiii!
- Mas, Aldir, eu não...
Graças a uns requebros de rumbeira da
Praça Mauá, o desgraçado do siri largou a pelanca e correu pra
água.
Vocês podem ficar chocados com o que eu
vou dizer, mas agradeço a Deus ter sido um siri adolescente em vez
daquele boto parecido com o Carlos Alberto Riccelli.
O clima entre Marluce e eu nunca mais foi
o mesmo. Não adianta negar: eu sentia falta do siri.
Um dia, ela me devolveu minhas cartas,
retratos, os discos do Ray Conniff. Veio tudo num pacotinho muito bem
embrulhado, com um último bilhete enigmático:
TENTA O MIKE NELSON.
Fiquei magoado, passei meses na fossa, e
resolvi fazer terapia lacaniana. Eu havia lido no Aurélio que siri é
um crustáceo decápodo braquiúro, da família dos portunídeos,
chegados a detritos em geral. Isso abalara minha confiança em mim
mesmo.
A doutora era a cara da Dóris Giese.
Passei várias sessões enrolando, sem coragem de revelar a razão de
meu trauma. Um belo dia, depois de umas cervas com o Betinho, entrei
no consultório disposto a tudo. Fui logo dizendo que tinha problemas
sexuais com determinado animal. Ela discorreu brilhantemente sobre
zoofilia. Quando consegui sussurrar que o bicho em questão era um
siri, aí fez-se um silêncio de mais ou menos meia hora. Começamos
a rir ao mesmo tempo, ela me confessou que adorava mexilhão, e
saímos por aí, atrás de uma boa sopa Leão Veloso.
Como disse o sábio Lacan, em um de seus
impagáveis seminários (Sêmen Áurio, na tradução MDMagno) :
- Chorrar é pur bebé doente. Sirri, aí
c’est parfé, Tion Macalé. Nojente…
Aldir Blanc,
in O Brasil passado a sujo
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