Um vigilante
cuidado no sertão velho era não deixar o candeeiro, a lamparina, a
vela, outrora de cera de carnaúba, acesos no chão. Nem mesmo muito
próximos do solo. A mão cautelosa erguia-os, colocando-os em
conveniente altura, evitando o agouro.
A luz no chão está
chamando a Morte.
Imagem associada às
velas fúnebres, rodeando o féretro, sentinelas de luz trêmula,
guardando o cadáver.
Tudo quanto evoque
o aparato mortuário deve ser prudentemente evitado. Nenhum objeto
que sugira a cerimônia do velório, a triste guarda ao morto,
fazer o quarto ao defunto, deve ser manuseado.
Chapéu de sol
aberto dentro de casa lembra a umbela que abriga o Santíssimo,
conduzido para a derradeira comunhão ou extrema-unção, a
derradeira visita do Nosso Pai. O chinelo ou sapato emborcado,
sola para cima, traz a ideia da posição invertida do corpo, os pés
ao alto, cabeça para baixo, preconizando o desmoronamento, o
desequilíbrio, a situação às avessas do patrimônio material da
família. Foi assim que Dante Alighieri situou o Papa Nicolau III
(Inferno, XIX, 22-24), na terceira cava do oitavo círculo, no
sepulcro aberto na pedra ardente, mordido pela chama inextinguível.
Quatro pessoas despedindo-se afastam o cruzamento dos braços,
reproduzindo o símbolo que pode ser a bênção nupcial para os
solteiros e também a cruz no caixão sepulcral.
Todas as coisas
estão estreitamente ligadas entre a Vida e a Morte, com os mesmos
fios intencionais, invisíveis e poderosos. O povo vive na sua
unidade sobrenatural indissolúvel, lógica, completa, real. Salomão
Reinach podia afirmar que “a vida primitiva da Humanidade, quando
não é exclusivamente animal, é religiosa”. Esse “primitivo
contemporâneo” existe nas cidades e nos campos. E, às vezes, em
nós mesmos, amigos.
Luís da Câmara
Cascudo, in Coisas que o povo diz
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