Eu
tenho que dizer que o ano em que esperava que me dessem [o prêmio
Nobel] não foi 1998, mas 1997, porque tinha informações, indícios,
que me permitiam pensar que não o dariam a Dario Fo. Curiosamente,
no dia em que lhe deram, eu estava a fazer uma viagem pela Alemanha e
Polônia, e nessa noite Dario Fo me deixou uma mensagem que dizia:
“Quero dar-te um Nobel. Perdoa, mas no ano que vem tu vais tê-lo.
Ai, sou um ladrão! Roubei-te o Nobel de Literatura”. Mas isso não
havia ocorrido. No ano seguinte, eu estava prestes a embarcar no
avião para voltar de Frankfurt a Madri e depois a Lanzarote, que é
onde eu vivo, e a hora da saída do avião coincidia com o anúncio
do prêmio durante a Feira do Livro de Frankfurt. A fila estava
andando para entrar no avião. Então fui ao telefone, liguei para a
feira e pedi para falar com o meu editor. Não disse quem era, não
valia a pena, e fiquei assim ao telefone, a esperar. De repente ouvi
uma voz, mas do alto-falante da sala de embarque, que dizia: “Senhor
José Saramago”. Era uma voz feminina, e me dei conta de que a
aeromoça tinha outro telefone, e me disse: “É o senhor…?”,
“Sim, sim, sou eu”. Então ela não pôde se controlar. Alguém
tinha ligado para falar comigo, e ela me disse: “É que está aqui
uma jornalista que quer falar consigo. É que o senhor ganhou o
prêmio Nobel!”. Portanto, anunciou-me que eu tinha ganhado o Nobel
uma aeromoça da Lufthansa, a quem obviamente a jornalista, para
convencê-la de que me chamasse, disse: “Tem que encontrar esse
homem porque ele ganhou o prêmio Nobel”. Para sair, eu tinha que
ir por um corredor. Era uma casualidade que não houvesse ninguém
naquele corredor. E eu não me lembro de nenhum outro momento da
minha vida em que tenha sentido isso: a solidão agressiva. Estava
ali sozinho, um senhor com sua gabardina e sua malinha, com a qual
tinha ido a Frankfurt por dois dias para uma conferência, e voltava
um senhor cuja vida tinha mudado totalmente nesse instante. Ia
andando e murmurando palavras, falava um pouco comigo mesmo e me
dizia: “Tenho o Nobel, e o quê?”.
José
Saramago
in As
palavras de Saramago
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