terça-feira, 15 de maio de 2018

Nordestina, afastada do mundo

Nada podia estar mais afastado um negócio do outro do que Nordestina do mundo.
Juntar os dois era serviço mais difícil do que dissolver a terra inteira no mar, misturando bem misturado, não importando nem o tamanho da colher de pau nem a habilidade da criatura que se prestasse a executar tarefa tão ingrata.
Era assim que Antônio se sentia.
Como alguém que tivesse em sua frente um único pão e milhares de morta-fomes em sua volta, ô solução complicadinha essa, só mesmo Cristo, e, mesmo ele, só fazendo milagre.
Naquele andar do pensamento o galo cantou e Antônio não teve outra alternativa a não ser inaugurar o dia, muito embora não tivesse a mínima ideia do que fazer com o mesmo devido ao estado de agonia em que se encontrava.
Abriu a porta do quarto que dava pra sala e a janela da sala que dava pra rua, olhou bem pra cara de Nordestina e pensou: “Tás duvidando?”
E Nordestina bem que deve ter duvidado, mas não respondeu nada, pois as cidades, por menores que fossem, não serviam pra responder nada a seu ninguém, muito menos pra duvidar de coisa nenhuma. A serventia das cidades era somente ser o lugar onde seus habitantes habitavam, e triste da cidade que não conseguisse dar conta de sua única finalidade.
Antônio tinha certeza que ia cumprir sua promessa, primeiro porque era homem de palavra, segundo porque era homem de atitude, terceiro porque era homem suficiente pra atender a todo e qualquer desejo de Karina.
Já estava acostumado.
Ora, se tinha prometido trazer o mundo pra ela, a primeira coisa que tinha que fazer era ir lá buscá-lo.
Buscar é uma coisa, trazer é outra, mas isso era só um detalhe.
Podia pensar no caminho.
E lá se foi ele.
No caminho da ida foi pensando no da volta.
Pra convencer o mundo todo a segui-lo primeiro tinha que achar um jeito de todo mundo olhar pra ele, eita finalidade difícil, pra que o mundo ia olhar pra um cidadão feito Antônio?
Honesto, mas sem a menor importância.
Decente, mas sem a menor distinção.
Um cabra que não tinha nem paletó, apesar de valente.
Inteligente, mas nem finalizou o grupo escolar.
Só se ele parasse na frente de todo mundo, pessoa por pessoa, “Tás vendo eu, pessoa?”, infelizmente aí não ia dar tempo.
Ou então se ele arrumasse um lugar só pra onde todas as pessoas olhassem na mesma hora e ficasse lá parado.
Parado, não, que ninguém quer saber de ver ninguém parado.
Fazendo a coisa mais desencabida que alguém jamais pensou em fazer na vista do povo.
Mas o quê?
Adriana Falcão, in A máquina

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