Eu
reservo para comer o que mais gosto no final. Não sei como começou
esse ritual. Pensando bem, foi desde que me ensinaram que não se
fala na mesa. É evidente que não obedeci o mandamento do silêncio.
Falo com a boca cheia, bem melhor do que morrer de monotonia.
Inicio
com a salada, pouco inspirado, parto para o arroz e feijão e,
depois, diminuo a velocidade da garfada com o bife à milanesa e a
batata frita. Não significa que como esse prato todo dia, mas batata
frita ficará para o final em qualquer cardápio. É o meu desfecho
predileto.
Engulo
o verde por obrigação e, aos poucos, amanso o hábito para uma
fisgada contemplativa. Minha respiração muda de acordo com a
intensidade e expectativa das etapas, do sopro ao suspiro.
Dificilmente vou rir de alguma piada durante a salada. É muito
esforço e concentração e não posso me dispersar um segundo para
não fazer careta.
Já
posso rir até do que não tem graça com o bife à milanesa. É
impressionante como o apetite abre a guarda e as defesas. O estômago
é a região mais sensível dos olhos.
Será
que a ordem altera a natureza das coisas?
Raciocinava
que era um crime morrer idoso, distanciado da infância, desprotegido
e abandonado de seus contemporâneos, que foram fechando as malas em
breves obituários. Defendia a teoria de que se deveria nascer velho
e rejuvenescer em sentido anti-horário: maduro, quarentão,
adolescente e, por final, criança. Seria muito melhor para cada uma
das fases. Por exemplo, não podia ser permitido cair na adolescência
sem preparação. Assim como não faríamos tantos erros de
relacionamento com uma imaginação experiente e uma memória
prodigiosa, de trás para diante. E o asilo seria uma creche e a
creche seria um asilo. Ninguém faria também cirurgia plástica para
esticar a pele e ficar novo em folha, porque todos desembocariam
fatalmente para a juventude. Mas encontrei um ponto negativo que
destruiu minha tese: eu iria morrer tão passarinho. Odeio a
possibilidade de morte na infância. Argola de caixão pequeno é
trinco da porta do inferno.
A
ordem dos fatores não altera em nada o resultado, porém confunde,
confunde. Fui educado para namorar, noivar, casar. Acabei casando,
namorando e agora estou noivo de minha mulher. Dá para entender? Sou
feliz desajeitado. De certeza, apenas que guardo a batata frita por
último.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
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