terça-feira, 17 de abril de 2018

Pagar com palmo de língua

É uma ameaça popular dizer que alguém pagará o mal feito com um palmo de língua, ou com a língua de fora.
Mestre João Ribeiro (Frases feitas, II, 63) explicou que “o pagar com a língua de palmo era o mesmo que pagar com a forca e aludia-se ao já esquecido mísero gesto dos enforcados”. Creio que a origem é outra.
Encontrei no Elucidário, de Viterbo (I, 261), sobre os Descridos, infiéis, blasfemos, arrenegados. Informa Viterbo: “Em 1315 mandou El-Rei D. Diniz, que quem quer que descreer de Deos, e de sua Madre, ou os doestar, que lhe tirem as lengoas pelos pescoços, e que os queimem. El-Rei D. Afonso V estabeleceo que todo aquele que sanhudamente renegar de Deos, ou de Santa Maria: se for Fidalgo, Cavaleiro ou Vassalo, pague por cada vez mil reis para a arca da piedade (dos cativos): e se for peão, dem-lhe vinte açoites no Pelourinho, em quanto o assi açoitarem, metam-lhe pela lengoa uma agulha de albardeiro, a qual tenha assi na lengoa ataa que os açoites sejam acabados”.
O albardeiro era o fabricante de albardas e usava de uma agulha longa e grossa. Em qualquer dos castigos, o paciente teria o palmo de língua estendido fora da boca. Atravessada por uma agulha, não a poderia recolher. E o suplício era mais vivo a quem desejasse o castigo, pois se referia aos incrédulos e heréticos, homens de falsa fé, como julgaria ter-se portado o merecedor da imagem atroz.
Essa tortura jamais fora aplicada no Brasil, mas a lembrança popular não a olvidou para os perjuros e traidores da amizade.
Luís da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz

Nenhum comentário:

Postar um comentário