Tarde
fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente
que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu
sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti
devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão
fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah,
que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo
me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou
aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma
crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas
um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido
de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou
envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos
parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou
ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre
feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um
desaparecido que a família procura em vão.
Sim,
eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num
canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível,
irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só
tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade
estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando
teimosamente, docemente em ti, meu amor.
Rubem
Braga,
in
A
traição
das elegantes
Nenhum comentário:
Postar um comentário