Qualquer
dicionário dirá o Allium sativum, Linneu, como sinônimo de
homem esperto, arguto, atilado. Essas liliáceas foram trazidas de
Portugal no século XVI, indispensáveis na alimentação lusitana
desde tempo imemorial. Em Portugal o alho é remédio, condimento
excepcional, amuleto, tônico, tendo um sem-número de predicados
mágicos e nutritivos para o povo. Os demônios, fantasmas e bruxas
não podem agir onde sentir-se o cheiro de alho e sobre pessoa que o
tiver ingerido. A literatura oral portuguesa registra numerosas
menções e a antiguidade clássica do alho em Roma afere-se nas
citações de Plauto, Virgílio, Horácio.
Curiosamente
a força mágica do alho veio para o Brasil com a mesma potência
irresistível. Todos os seres fabulosos temem e evitam o alho. O
Saci-Pererê, a Caipora, o Curupira, os Botos conquistadores, a falsa
Mãe-d’Água na sua encarnação de sereia-cantora, loura e de
olhos azuis, fogem do alho como o diabo da cruz. É uma defesa contra
os feitiços malfazejos. Cabeça de alho no bolso afasta qualquer
força malévola de feitiço contrário.
Todos
esses atributos vieram de Portugal, porque o alho não existia no
Brasil antes que os portugueses instalassem o domínio colonizador. E
manteve no Brasil os mesmos poderes que possui em Portugal.
Não
sei como mestre João Ribeiro (Frases feitas, I, 82) escreveu:
“Alho é o sujeito que parece gente e não é, mete-se a sabido e
sai tolo”.
Pessoa
alguma em Portugal e Brasil dirá que alguém é um alho,
sendo tolo. Alho é o esperto, vivo, ágil, inventivo, sabendo
desembaraçar-se das dificuldades.
O
conjunto de alhos, porção deles, diz-se alhada, valendo
problema, confusão, complicações. “Não me meto em alhadas!”.
Era, no século XVI, uma sopa de alhos, espessa, saborosa, nutritiva.
“Meu pecado me meteu nesta alhada”, diz Jorge Ferreira de
Vasconcelos na Eufrasina (IV, 4).
O
segredo dessas forças mágicas está no cheiro forte, penetrante e
persistente do alho. Horácio escreveu contra ele um épodo, Allium
detestatur, e consta do Mil e uma noites o episódio em
que o seu odor perturbou uma noite de núpcias. Raquel Mussolini,
viúva do “Duce”, narra que o Príncipe Aimone de Savoia, indo
visitá-la a bordo do iate em Brione, apresentou desculpas por ter
comido alhos, sensíveis no hálito. O olor é que constitui uma
infração social. Deve haver razões de milênios para os demônios,
os elegantes do convívio aristocrático, não suportarem o aroma do
alho. Mas seu consumo, em todas as classes portuguesas, denuncia-se
pelo versinho quinhentista de Sá de Miranda:
E
podem cheirar a alho
Ricos
homens e infanções.
Luís
da Câmara Cascudo, in
Coisas que o povo diz
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