—
Belinha, Belinha... A mulher do Caio?
— Não,
a mulher do Ciro. O do incêndio.
Com
um ouvido atento e um pouco de imaginação, qualquer coisa pode
virar uma história na sua cabeça. Ou um mergulho nesse poço de
surpresas que é a vida alheia. Uma frase. Ou uma conversa. Como esta
numa sala de cinema, antes de começar a sessão. Duas mulheres,
sentadas atrás de você, conversando.
— O
Ciro que pôs fogo na casa?
— Esse.
Só que nunca ficou provado que foi ele mesmo. A Belinha é que
acusou.
Pronto.
Você já tem os ingredientes para uma história. Sua imaginação
fornecerá os detalhes. Um casal, Belinha e Ciro, e a suspeita de que
o Ciro pôs fogo na casa. Talvez para matar a Belinha.
—
Coitada da Belinha. Ficou traumatizada.
Ela esperaria qualquer coisa do Ciro. Mas botar fogo na casa foi um
pouco demais.
—
Imagina! Mas então quem é a mulher do
Caio?
— Você
está pensando na Carol, aquela que saiu com a cueca manchada do
marido na rua, pra mostrar pra todo mundo.
Epa!
A história da Carol e do Caio parece mais interessante do que a da
Belinha e do Ciro. Mulher brandindo a cueca manchada do marido para
toda a vizinhança saber da sua infidelidade bate incêndio
possivelmente criminoso como motivo de briga de casal em qualquer
vara de família séria do mundo. Mas a conversa das mulheres volta
para o primeiro casal.
— E
o que que tem a Belinha?
Você
pensa em se virar na poltrona e protestar. Não! Esqueçam a Belinha.
Quero saber mais sobre a Carol! A história da Carol é melhor!
— A
Belinha descobriu uma colônia de abelhas no portão da casa dela.
Como é que se chama? Uma colmeia. Enorme. Da noite para o dia
milhares de abelhas tinham se instalado no portão. A Belinha não
podia sair ou entrar em casa sem o risco de levar uma ferroada.
— Meu
Deus.
— Aí
ela ouviu dizer que havia um apicultor que se especializava em
retirar colmeias. Pegava as abelhas, empacotava, sei lá como, e
levava embora. Ela chama o tal apicultor. E quem é que aparece?
— Quem?
— O
Brad Pitt.
— O
quê?
— Numa
versão rústica, é claro.
Você
imagina o encontro. O apicultor examinando a colmeia enquanto Belinha
examina o apicultor. O olhar dele para as abelhas é terno, o dela
para ele é de súplica e paixão. Leve-me também, apicultor, pensa
Belinha. Leve-me junto com as abelhas para a sua cabana tosca onde
nos cobriremos de mel e...
— E
pintou alguma coisa?
— Não.
A Belinha ainda estava muito traumatizada com o incêndio. Não
queria saber de homem. Mas hoje ela me telefonou muito animada porque
apareceram outras abelhas no quintal e ela está pensando em chamar o
Brad Pitt de novo. Ela acha que se surgirem mais abelhas será um
sinal para que ela chame o Brad Pitt, e seja o que Deus quiser. A
natureza estará lhe dizendo para esquecer sua mágoa com os homens e
tentar de novo. Ela...
—
Ssshh. Vai começar a sessão.
E
você precisa se controlar para não se virar para trás e pedir:
— Por
favor. A Carol. Rapidamente, antes que comece o filme. Como é a
história da Carol?
Vidas
alheias, vidas alheias. Poços de surpresas.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo
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