De vez em quando perguntam-me se acredito
em Deus. Mas é claro. Acredito mais que a maioria das pessoas. Tenho
até 33 nomes para ele. Esses nomes foi a Marguerite Yourcenar que me
contou. Foi ela que escreveu o livro Memórias de Adriano,
quem lê nunca mais esquece, quer ler de novo. Pois esses são os 33
nomes de Deus que ela me ensinou. É só falar o nome, ver na
imaginação o que o nome diz, para que a alma se encha de uma
alegria que só pode ser um pedaço de Deus... Mas é preciso ler bem
devagarinho... Os 33 nomes de Deus... O mar da manhã. O barulho da
fonte nos rochedos sobre as paredes de pedra. O vento do mar de
noite, numa ilha... Uma abelha. O voo triangular dos cisnes. Um
cordeirinho recém-nascido... O mugido doce da vaca e o mugido
selvagem do touro. O mugido paciente do boi. O fogo vermelho no
fogão. O capim. O perfume do capim. Um passarinho no céu. A terra
boa... A garça que esperou toda a noite, meio gelada, e que vai
matar sua fome ao nascer do sol. O peixinho que agoniza no papo da
garça. A mão que entra em contato com as coisas. A pele, toda a
superfície do corpo. O olhar e tudo o que ele olha. As nove portas
da percepção. O torso humano. O som de uma viola e de uma flauta
indígena. Um gole de uma bebida fria ou quente. Pão. As flores que
saem da terra na primavera. O sono na cama. Um cego que canta e uma
criança enferma. Um cavalo correndo livre. A cadela e os cãezinhos.
O sol nascente sobre um lago gelado. Um relâmpago silencioso. O
trovão que estronda. O silêncio entre dois amigos. A voz que vem do
leste, entra pela orelha direita e ensina uma canção... Não é
preciso que esses 33 nomes sejam os seus. Faça a sua própria lista.
Eu incluiria: a sonata Appassionata, de Beethoven. Sapos
coaxando no charco. O canto do sabiá. Banho de cachoeira. A tela
Mulher lendo uma carta, de Vermeer. O sorriso de uma criança.
O sorriso de um velho. Balançar num balanço tocando com o pé as
folhas da árvore... Morder uma jabuticaba... Todas essas coisas são
os pedaços de Deus que conheço... Sim, acredito muito em Deus.
Rubem Alves, in Ostra feliz não
faz pérola
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