quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Um bando alçado em armas

Empardecendo a tarde, apareceram os homens. Vinham encarabinados e cruzados por cartucheiras. Eram cerca de vinte. Pedro Páramo convidou-os para jantar. E eles, sem tirar o chapéu, se acomodaram à mesa e esperaram calados. Só ouvimos eles sorverem o chocolate quando lhes trouxeram o chocolate, e mastigar tortilha atrás de tortilha quando lhes passaram as tortilhas e os feijões.
Pedro Páramo os olhava. Não lhe parecia que fossem caras conhecidas. Bem atrás dele, na sombra, o Sucuri aguardava.
Patrões — disse a eles quando viu que acabavam de comer —, em que mais posso servi-los?
O senhor é o dono disso? — perguntou um deles abanando a mão.
Mas outro o interrompeu dizendo:
Aqui, quem fala sou eu!
Pois bem. Em que posso servi-los? — tornou a perguntar Pedro Páramo.
Como o senhor está vendo, nós nos alçamos em armas.
E então?
E isso é tudo. Acha pouco?
Mas fizeram isso por quê?
Pois porque os outros também fizeram. O senhor não está sabendo? Espere um pouquinho até que cheguem nossas instruções e então vamos esclarecer a causa para o senhor. Mas para começar, já estamos aqui.
Eu sei a causa — disse outro. — E se o senhor quiser, eu conto. Nós nos rebelamos contra o governo e contra os senhores porque já estamos fartos de suportá-los. O governo porque é ordinário, e os senhores porque não passam de uns desavergonhados bandidos e uns ladrões sebentos. E do senhor governo não digo mais nada porque vamos dizer à bala o que queremos dizer.
De quanto vocês precisam para fazer a sua revolução? — perguntou Pedro Páramo.
Pode ser que eu possa ajudá-los.
O que o senhor aqui está dizendo está bem dito, Perseverando. Você não devia ter soltado a língua. Precisamos agenciar um rico que nos habilite, e quem mais melhor do que o senhor aqui presente? Vamos ver, Casildo, diga você: quanto acha que nos faz falta?
Pois que ele nos dê o que sua boa intenção quiser nos dar.
Esse aí ‘não daria água nem para o Cristo na cruz’. Vamos aproveitar que estamos aqui para tirar dele de uma vez até o milho que está entalado em seu bucho de porco.
Acalme-se, Perseverancio. Por bem se consegue melhor. Vamos entrar num acordo. Fale você, Casildo.
Pois eu digo assim no cálculo que uns 20 mil pesos para começar não estariam mal. O que é que vocês acham? Ou pode até ser que a esse senhor aí isso pareça pouco, já que tem vontade de sobra de nos ajudar. Vamos dizer então 50 mil. De acordo?
Vou lhes dar 100 mil pesos — disse Pedro Páramo. — Quantos vocês são?
Nóis semu trezentos.
Bem. Pois vou lhes emprestar outros trezentos homens para que aumentem seu contingente. Dentro de uma semana terão à sua disposição tanto os homens como o dinheiro. O dinheiro é de presente, os homens eu empresto. Assim que os desocupem, que mandem todos de volta para cá. Está bem assim?
Mas como não?
Então, até daqui a oito dias, senhores. E tive muito prazer em conhecê-los.
Sim — disse o último a sair. — Lembre-se que, se não cumprir, vai ouvir falar de Perseverando, que é esse o meu nome.
Pedro Páramo despediu-se, estendendo a mão.

Quem você acha que é o chefe desses aí? — perguntou mais tarde ao Sucuri.
Pois eu acho mesmo é que era aquele barrigudão que estava no meio e que nem ergueu os olhos. Alguma coisa aqui dentro me bate que é ele... Eu me engano poucas vezes, dom Pedro.
Não, Damasio, não, o chefe é você. Ou então você não está querendo ir para a revolta?
Mas se eu acho até que está demorando muito. Gostando de um rebuliço do jeito que eu gosto...
Pois então você já viu de que se trata, portanto nem precisa de meus conselhos. Junte aí uns trezentos rapazes da sua confiança e se aliste com esses rebeldes. Diz lá a eles que está levando o pessoal que eu prometi. O resto você vai saber como fazer.
E o que é que eu digo do dinheiro? Também entrego?
Vou dar a você 10 pesos para cada um. Isso, para os seus gastos mais urgentes. Diga que o resto está guardado aqui, e à disposição. Não é conveniente carregar tanto dinheiro, quando se anda nessas tarefas. Entre parênteses: você gostaria do ranchinho da Puerta de Piedra? Pois é seu desde agora. Você vai levar um recado ao doutor Gerardo Trujillo, de Comala, e lá mesmo você põe a propriedade em seu nome. O que você acha, Damasio?
Pois eu acho que isso nem se pergunta, patrão. Mesmo sendo bem verdade que com isso ou sem isso eu faria do mesmo jeito, só pelo gosto. É como se o senhor não me conhecesse. Seja como for, agradeço. A velha terá ao menos com que se distrair enquanto eu solto fogo por aí.
E veja, aproveita e arrebanha umas quantas vacas. O que falta nesse rancho é movimento.
O senhor não se importa se forem zebus?
Escolha as que quiser, e as que você imagine que sua mulher possa cuidar. E voltando ao nosso assunto, procure não se afastar muito de meus terrenos, porque assim se vierem outros vão ver o campo já ocupado. E venha me ver assim que você puder ou quando tiver alguma novidade.
Nos veremos, patrão.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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