terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Prazer em conhecê-lo

Puxa, vocês ainda não se conhecem? Este é o Marques, amigo velho de guerra. E este aqui é o Silva, um amigão.
Ah, muito prazer em conhecê-lo.
Oh, o prazer é todo meu.
Perdão, todo seu, não. Me deixe sentir também um grande, um enorme prazer em conhecê-lo, rapaz. O Inácio sempre me diz maravilhas a seu respeito.
O Inácio também põe você nas nuvens. Por isso, é natural que eu sinta o maior prazer em conhecê-lo.
Bem, já diminuiu um pouco, e eu fico satisfeito com isso. Sempre deixou algum prazer para mim. Me desculpe, mas por que o seu prazer é maior?
Que é isso, vocês estão discutindo para saber quem ficou mais contente do que o outro, por serem apresentados?
Não, Inácio, a gente não está discutindo coisa nenhuma, não é, Silva? A gente está apenas apurando quem simpatizou mais com o outro, e o Silva quer ganhar de mim, mas eu não quero perder para o Silva.
É, o Marques tem razão. Só que eu não disse que o meu prazer em ficar conhecendo ele é maior do que o dele ao ficar me conhecendo. Não quis duvidar do prazer dele. Quando falei que sentia o maior, eu me referia a mim mesmo, é o maior que eu sinto, não estou comparando com o dele. Embora eu ache que o Marques é tão bacana que é natural que eu me alegre mais em ficar amigo dele do que ele em ficar meu amigo.
Ora, Silva, se eu sou bacana não sei, mas você é. Tudo que o Inácio me conta a seu respeito demonstra a maior bacanidade. Como é que eu também não posso ter uma grande alegria me aproximando de um cara tão legal?
Não sou tão legal quanto você pensa, Marques, mas posso garantir que sei apreciar os verdadeiros valores, e não vejo absurdo nenhum em reconhecer as altas qualidades de você.
Absurdo? Quem falou em absurdo? É claro que eu fico muito feliz por saber que você me admira, embora haja nisso excesso de generosidade de sua parte, e também da parte do Inácio, que andou lhe falando coisas a meu respeito. O que eu não entendo é que você não me permita apreciar também à altura as suas excelentes qualidades.
Ei, gente, que papo mais estranho esse que vocês estão levando. Cada um quer ser mais admirador do que o outro, e discutem por causa disso? Digamos que vocês empataram, pronto.
Não é bem isso, Inácio. Você não entendeu o meu ponto de vista. No fundo, o Marques está duvidando da minha sinceridade em admirá-lo, e veio com essa história de que eu quero todo o prazer de nossas relações só para mim. Aí tem ironia.
Eu não disse isso.
Disse sem dizer. Pensou.
Como é que você pode ler no meu pensamento?
Viu? Ele está se traindo, Inácio. Não posso ler fisicamente o que está lá dentro da cabeça, mas que está escrito, está. A prova é que ele se defende alegando que não há leitura possível.
Sabe de uma coisa? Você envenena tudo.
Eu, enveneno? Tem coragem de me atirar uma ofensa dessas?
Calma, pessoal! Mal se conheceram e já estão que nem galos de briga!
Não escutou o que ele me disse, Inácio?
Olhe aqui, Inácio, viu o que ele está dizendo?
Não vi, não escutei, nem entendi nada. O que eu não posso admitir é que dois amigos meus se desentendam por excesso de admiração recíproca. É o cúmulo! Parem com isso imediatamente!
Ah, é? Então você fica neutro diante de uma situação como esta, em que fui insultado quando fazia os maiores rapapés a esse sujeito?
Sujeito é você, seu atrevido! E você, Inácio, você me decepcionou. Ter coragem de me apresentar um tipo dessa espécie!
Perdão, eu…
Agora não adianta, você estragou o meu dia!
Pensa que o meu também não foi estragado? Que prazer posso eu sentir em travar conhecimento com um insolente como você?
Pois fique sabendo que não tive nenhum, absolutamente nenhum prazer em conhecê-lo. Pelo contrário: tive o maior desprazer!
O desprazer foi todo meu! Maior do que tudo!
Fique com o seu desprazer que eu fico com o meu. Bolas para você e para o Inácio.
Pra vocês também! Pra vocês também!
Dois cretinos que vocês são! Burrada minha querer que os dois se conhecessem! Aliás, também sou uma besta, confesso sem o menor prazer!
Carlos Drummond de Andrade, in 70 historinhas

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