Este
ditado, Couto de Magalhães citou-o em nhengatu, explicando: “Entre
outros (anexins), citarei o seguinte, que é muito vulgar em todo o
Brasil; quando se quer dizer que é muito difícil iludir e enganar
ao homem experiente, diz-se no interior: ‘Macaco velho não mete a
mão na cumbuca’: é um anexim tupi; eu o encontrei, até rimado, e
diz assim: macáca tuiué inti omumdéo i pó cuiambuca opé,
anexim que é verbum ad verbum, o mesmo de que nos servimos em
português”.
Do
Brasil, viajou para Portugal, onde não há cumbuca. “Macaco velho
não mete a mão na cumbuca”; Pedro Chaves, Rifoneiro português
(Porto, 1945). Afrânio Peixoto ( Miçangas , Rio de Janeiro, 1931)
comentou: “O provecto, que não mete a mão no cabaço, como se
diria à portuguesa, tem duas explicações. A mais geral é se poder
pegar um macaco inesperto, colocando uma espiga de milho dentro de um
coco ou cabaça vazia: bugio que aí meter a mão, e apreender a
presa, não abrirá mais uma nem soltará a outra ficando
prisioneiro: coisa que o macaco velho não faz, desconfiado das
cumbucas. Outra explicação diz que, nestas tais, podem aninhar-se
víboras e cobras, que picam a mão dos inexperientes indiscretos”.
Este
provérbio pareceu-me de origem literária e não fixando um fato
verídico. Jamais macaco brasileiro meteu a mão em cumbuca. Nunca
passou pela cabeça dos caçadores indígenas tal armadilha à
gulodice simiesca. Não existe registro dessa esparrela em fonte
impressa de qualquer tempo. O provérbio é conhecido e o motivo
ninguém viu. Debalde pesquisei nos livros e nas conversas
cinegéticas com profissionais. Parentes meus haviam trabalhado anos
e anos no interior do Amazonas, Pará, Acre, cortando borracha,
vivendo em acampamentos, barracões improvisados no meio da mata.
Sabiam caçar e pescar com os amerabas. Não havia a mais leve
notícia do emprego da cumbuca para agarrar macacos.
Em
compensação, os exemplos literários são abundantes e alguns
antiquíssimos. George Laport recolheu uma variante Bélgica, Le
folklore des paysages de Wallonie (Helsinque, 1929). O judeu
Eleazar, voltando de Jemelle para Rochefort, passou nas proximidades
de um cadafalso de onde pendiam dois enforcados. Ouviu um dizer ao
outro que no trou Maulin havia um vaso cheio de ouro e pedras
preciosas. Eleazar voou para Maulin e na entrada da caverna percebeu
rumores de cachoeiras, ventos, tempestades, gritos de multidão em
cólera. Entrou na gruta e encontrou o vaso, repleto de
preciosidades, mas com o gargalo tão estreito que apenas permitia a
passagem da mão nua. Mergulhou o braço nas joias e moedas de ouro,
agarrando-as, mas o vaso começou a descer, atraído por força
irresistível sem que o judeu largasse a riqueza empalmada. Gritavam:
– Lache ces richeses , tu pourras retirer ta main et t’en
aller!, mas Eleazar não queria abandonar a presa cobiçada. O
vaso desapareceu no abismo e o judeu com ele.
René
Basset (Mille et un contes, récits & légends arabes, I,
Paris, 1924) transcreve um episódio de Nozhat El Obadã,
resumido por Hammer, constando uma aventura de Djâh’izh na cidade
dos H’ims. Encontrou-a revolta pela inquietação coletiva. O filho
do emir, filho único, metera a mão num vaso chinês para apanhar
nozes e amêndoas e não podia retirá-la sem deixar os frutos. O
suplício durava horas e já pensavam em cortar o braço do menino.
Todos choravam de desespero. Djâh’izh convenceu o príncipe a
soltar as nozes e amêndoas, dando-lhe depois tudo quanto o vaso
contivesse. Tal ocorreu e foi considerado salvador, acumulado de
presentes ricos e de aplausos pela inteligência incomparável.
Há
uma variante num texto chinês, o Po-Yer-King, traduzido do
sânscrito de Sanghasina, em 492, pelo religioso hindu Kiéounap’iâ-li
(Gunavriddhi), em que um camelo meteu a cabeça num vaso de cereais e
para libertá-lo deceparam-na. Chavannes, Cinq cents contes et
apologues tirés du Tripitaka chinois (II, Paris, 1911),
repete-a. Swynnerton, Indian night’s entertainments
(Londres, 1892), dá uma versão hindu em que uma ovelha não
conseguiu soltar a cabeça metida numa jarra com manteiga.
A
fonte original e longínqua encontra-se no Epicteti dissertationes
(I, III, cap. X), em que Flavius Arriano reuniu e condensou as lições
do sábio estoico Epicteto, escravo de Epafrotita, liberto do
Imperador Nero, no primeiro século da Era Cristã. É a mais antiga
referência. Diz Epicteto: “É o que sucede a uma criança que mete
a mão num vaso de abertura reduzida para tirar passas e nozes. Com a
mão cheia, não a poderá retirar e então chora. Deixa-as ficar,
algumas, e soltarás a mão”.
Era
o que supunha. Uma imagem erudita que terminou formulada no sertão
setentrional do Brasil e num idioma indígena.
Nuno
Marques Pereira é autor do Compêndio narrativo do peregrino da
América, cuja segunda parte, inédita, terminada na Bahia em
1733, foi publicada pela Academia Brasileira em 1939.
O
Peregrino visita a Torre Intelectual onde o guia Belomodo mostra-lhe
um quadro: “Vi a uns macacos, com as mãos metidas dentro de
buracos feitos em uns cabaços, os quais os levavam arrastando pelos
campos, e estradas, e negros atrás deles com bordões e laços de
cordas para os enlaçarem e matarem. A interpretação moral é a
seguinte: ‘Aqueles macacos ou monos, que vão correndo com as mãos
cheias de milho dentro dos buracos feitos naqueles cabaços (que
assim os apanham em Cabo Verde), são a representação dos
avarentos, e ambiciosos, que por não largarem a presa das riquezas
dos bens do mundo, se deixam apanhar, e enlaçar por aqueles negros,
que são os demônios, até que os levam para o inferno’”.
Fui
perguntar ao escritor Luís Romano de Melo, nascido na Ilha de Santo
Antão, em Cabo Verde, o que havia de verdade no símbolo do
Peregrino (cap. XI).
Luís
Romano confirma. Na Ilha de São Tiago, a única em que os macacos
abundam, dando imenso prejuízo às plantações, os negros locais
põem amendoins dentro dos cocos, deixando orifício bastante para
que passem a mão. Os monos seguram os amendoins e não os largam,
guinchando e correndo, atrapalhados com a carapaça do coco, até que
são apanhados e mortos a pau.
O
Macaco velho não mete a mão em cumbuca é provérbio que não
existe em Angola, segundo informa o meu amigo Oscar Ribas, de Luanda.
A
técnica será sudanesa ou da África Oriental, mesmo entre os povos
bantos. Nunca li menção dessa proeza pelo litoral africano do
Atlântico ou do Índico.
O
anexim, que Couto de Magalhães divulgou em nhengatu em 1876, é uma
composição de fundo cultural que se tornou popular. Já vimos a
citação há quase vinte séculos em Roma. A documentação da
China, da Índia, do mundo árabe evidencia sua vulgarização pela
Ásia. Epicteto teria lançado a imagem na Roma letrada de Sêneca,
Lucano, Petrônio. O depoimento de Luís Romano dá verdade à
informação de Nuno Marques Pereira, de 1733, dizendo-a um processo
de caçar os macacos plutões da Ilha de São Tiago, em Cabo Verde. É
quanto me foi possível apurar. Much ado about nothing…
Luís
da Câmara Cascudo, in
Coisas que o povo diz
Nenhum comentário:
Postar um comentário