Todos
ficaram muito intrigados quando o Maneco, logo o Maneco, apareceu com
uma russa. Em pouco tempo “a russa do Maneco” se tornou o assunto
principal da turma. Todas as conversas, cedo ou tarde, acabavam na
frase “E a russa do Maneco?”, e daí em diante não se falava em
outra coisa. E, claro, quando o Maneco e a russa estavam com a turma,
a russa era o centro de todas as atenções. Os homens de boca
aberta, as mulheres tentando ser simpáticas, mas odiando a russa.
Porque
a russa do Maneco era linda como só as russas conseguem ser. Olhos
claros e puxados, maçãs do rosto altas, um lábio inferior cheio e
um pouco mais saliente do que o de cima, pele branca como as estepes,
cabelos loiros como os trigais da Geórgia, ou onde quer que nasça
muito trigo por lá. E o corpo, o corpo...
—
Bailarina
— sentenciou uma das mulheres, como se acusasse a russa de
competição desleal.
Bailarina,
sim, mas bailarina de um tipo especial: com anca e peito.
Pernas
longas. Mais alta do que o Maneco. Quando o Maneco a abraçava ela
beijava o topo da sua cabeça. (Os homens suspiravam, as mulheres se
revoltavam.) E a russa só sabia uma palavra em português, além de
“bom dia” e “obrigado”:
—
Manequinho.
Muitos
da turma não conseguiam dormir, pensando no Maneco com a loira na
cama, e no “Manequinho” dito com aquele sotaque russo, por
aqueles lábios russos. Logo o Maneco!
*
* *
O
Maneco não explicava onde e como encontrara a sua russa. Só dizia,
misteriosamente:
— A
coisa mais fácil de conseguir, hoje, na Rússia, é plutônio e
mulher.
Dando
a entender que, além de uma mulher espetacular, também estaria
envolvido com o tráfico clandestino de material radioativo. As duas
principais sobras da derrocada do império soviético. O que deixava
a turma ainda mais intrigada.
— Vem
cá: o Maneco não é funcionário público?
Era.
E, que se soubesse, nunca saíra do Brasil. Mas as pessoas, afinal,
podem ter suas vidas secretas. E numa das suas vidas secretas, o
Maneco encontrara a sua russa. Talvez negociando plutônio
enriquecido para revender a algum grupo terrorista internacional.
Depois de verem a russa beijando o topo da sua cabeça, ninguém
duvidava de mais nada a respeito do Maneco. Se ouvissem dizer que o
Maneco estava sendo caçado pela Interpol, ou que seria o novo marido
da Nicole Kidman, ou as duas coisas, não duvidariam. E especulações
sobre que outras coisas o Maneco era e fazia que ninguém sabia
passaram a dominar a conversa do grupo — sempre que o assunto não
era a russa.
*
* *
E
um dia o Maneco apareceu sem a russa. Arrá, pensaram todos. A russa
finalmente se deu conta de quem o Maneco realmente é. Qualquer que
fosse a mentira que o Maneco usara para conquistá-la, estava
desmascarada. A russa deixara o Maneco, as coisas voltavam aos seus
lugares. O mundo voltava à normalidade. Estava restabelecida a
lógica, segundo a qual uma russa daquelas não podia ser de um
Maneco daqueles. Que fim levara a russa?
— Olha
— disse o Maneco —, russa não é fácil, viu?
Repetiu:
— Russa
não é fácil!
E
contou que as russas eram possessivas, e ciumentas, e atrasadas, pois
não admitiam que um homem podia ter duas ou três namoradas ao mesmo
tempo e...
Naquele
momento gritaram do bar que havia um telefonema, uma mulher chorosa
querendo falar com o “Manequinho”, e o Maneco começou a fazer
sinais frenéticos e a cochichar: “Diz que eu não estou, diz que
eu não estou.”
Sensação
na turma. O Maneco é que deixara a russa! E se com a russa o Maneco
já era o assunto preferido da turma, sem a russa passou a ídolo.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo
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