domingo, 28 de janeiro de 2018

A origem


No futebol, como em quase tudo, os primeiros foram os chineses. Há cinco mil anos, os malabaristas chineses faziam dançar a bola com os pés, e foi na China que tempos depois se organizaram os primeiros jogos. A meta ficava no centro e os jogadores evitavam, sem usar as mãos, que a bola tocasse no chão. De dinastia em dinastia continuou o costume, como se vê em alguns relevos de monumentos anteriores a Cristo, e também em algumas gravuras posteriores, que mostram os chineses da dinastia Ming jogando com uma bola que parece da Adidas.
Sabe-se que em tempos antigos os egípcios e os japoneses se divertiam chutando a bola. No mármore de uma tumba grega de cinco séculos antes de Cristo, aparece um homem fazendo embaixadas com a bola no joelho. Nas comédias de Antífanes, há expressões reveladoras: bola longa, passe curto, bola adiantada... Dizem que o imperador Júlio César era bastante bom com as duas pernas, e que Nero não acertava uma: em todo caso, não há dúvida de que os romanos jogavam algo bastante parecido com o futebol enquanto Jesus e seus apóstolos morriam crucificados.
Pelos pés dos legionários romanos a novidade chegou às ilhas britânicas. Séculos depois, em 1314, o rei Eduardo II estampou seu selo numa cédula real que condenava este jogo plebeu e alvoroçador, “estas escaramuças ao redor de bolas de grande tamanho, de que resultam muitos males que Deus não permita”. O futebol, que já se chamava assim, deixava uma fileira de vítimas. Jogava-se em grandes grupos, e não havia limite de jogadores, nem de tempo, nem de nada. Um povoado inteiro chutava a bola contra outro povoado, empurrando-a com pontapés e murros até a meta, que então era uma longínqua roda de moinho. As partidas se estendiam ao longo de várias léguas, durante vários dias, à custa de várias vidas. Os reis proibiam estes lances sangrentos: em 1349, Eduardo III incluiu o futebol entre os jogos “estúpidos e de nenhuma utilidade”, e há éditos contra o futebol assinados por Henrique IV em 1410 e Henrique VI em 1547. Quanto mais o proibiam, mais se jogava, o que não fazia mais que confirmar o poder estimulante das proibições.
Em 1592, em sua Comédia dos erros, Shakespeare recorreu ao futebol para formular a queixa de um personagem:
Rodo para vós de tal maneira... Tomais-me por uma bola de futebol? Vós me chutais para lá, e ele me chuta para cá. Se devo durar neste serviço, deveis forrar-me de couro.
E uns anos depois, em Rei Lear, o conde de Kent insultava assim:
Tu, desprezível jogador de futebol!
Em Florença, o futebol se chama calcio, como se chama ainda em toda a Itália. Leonardo da Vinci era torcedor fervoroso, e Maquiavel jogador praticante. Participavam equipes de 27 homens, distribuídos em três linhas, que podiam usar mãos e pés para golpear a bola e para estripar adversários. Uma multidão assistia às partidas, que se celebravam nas praças mais amplas e sobre as águas congeladas do rio Arno. Longe de Florença, nos jardins do Vaticano, os papas Clemente VII, Leão IX e Urbano VIII costumavam arregaçar as batinas para jogar o calcio.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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