No
futebol, como em quase tudo, os primeiros foram os chineses. Há
cinco mil anos, os malabaristas chineses faziam dançar a bola com os
pés, e foi na China que tempos depois se organizaram os primeiros
jogos. A meta ficava no centro e os jogadores evitavam, sem usar as
mãos, que a bola tocasse no chão. De dinastia em dinastia continuou
o costume, como se vê em alguns relevos de monumentos anteriores a
Cristo, e também em algumas gravuras posteriores, que mostram os
chineses da dinastia Ming jogando com uma bola que parece da Adidas.
Sabe-se
que em tempos antigos os egípcios e os japoneses se divertiam
chutando a bola. No mármore de uma tumba grega de cinco séculos
antes de Cristo, aparece um homem fazendo embaixadas com a bola no
joelho. Nas comédias de Antífanes, há expressões reveladoras:
bola longa, passe curto, bola adiantada... Dizem que o
imperador Júlio César era bastante bom com as duas pernas, e que
Nero não acertava uma: em todo caso, não há dúvida de que os
romanos jogavam algo bastante parecido com o futebol enquanto Jesus e
seus apóstolos morriam crucificados.
Pelos
pés dos legionários romanos a novidade chegou às ilhas britânicas.
Séculos depois, em 1314, o rei Eduardo II estampou seu selo numa
cédula real que condenava este jogo plebeu e alvoroçador, “estas
escaramuças ao redor de bolas de grande tamanho, de que resultam
muitos males que Deus não permita”. O futebol, que já se chamava
assim, deixava uma fileira de vítimas. Jogava-se em grandes grupos,
e não havia limite de jogadores, nem de tempo, nem de nada. Um
povoado inteiro chutava a bola contra outro povoado, empurrando-a com
pontapés e murros até a meta, que então era uma longínqua roda de
moinho. As partidas se estendiam ao longo de várias léguas, durante
vários dias, à custa de várias vidas. Os reis proibiam estes
lances sangrentos: em 1349, Eduardo III incluiu o futebol entre os
jogos “estúpidos e de nenhuma utilidade”, e há éditos contra o
futebol assinados por Henrique IV em 1410 e Henrique VI em 1547.
Quanto mais o proibiam, mais se jogava, o que não fazia mais que
confirmar o poder estimulante das proibições.
Em
1592, em sua Comédia dos erros, Shakespeare recorreu ao
futebol para formular a queixa de um personagem:
– Rodo
para vós de tal maneira... Tomais-me por uma bola de futebol? Vós
me chutais para lá, e ele me chuta para cá. Se devo durar neste
serviço, deveis forrar-me de couro.
E
uns anos depois, em Rei Lear, o conde de Kent insultava assim:
– Tu,
desprezível jogador de futebol!
Em
Florença, o futebol se chama calcio, como se chama ainda em toda a
Itália. Leonardo da Vinci era torcedor fervoroso, e Maquiavel
jogador praticante. Participavam equipes de 27 homens, distribuídos
em três linhas, que podiam usar mãos e pés para golpear a bola e
para estripar adversários. Uma multidão assistia às partidas, que
se celebravam nas praças mais amplas e sobre as águas congeladas do
rio Arno. Longe de Florença, nos jardins do Vaticano, os papas
Clemente VII, Leão IX e Urbano VIII costumavam arregaçar as batinas
para jogar o calcio.
Eduardo
Galeano, in Futebol ao sol e à sombra
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