Na
feira, a gorda senhora protestou a altos brados contra o preço do
chuchu:
— Isto
é um assalto!
Houve
um rebuliço. Os que estavam perto fugiram. Alguém, correndo, foi
chamar o guarda. Um minuto depois, a rua inteira, atravancada, mas
provida de admirável serviço de comunicação espontânea, sabia
que se estava perpetrando um assalto ao banco. Mas que banco? Havia
banco naquela rua? Evidente que sim, pois do contrário como poderia
ser assaltado?
— Um
assalto! Um assalto! — a senhora continuava a exclamar, e quem não
tinha escutado escutou, multiplicando a notícia. Aquela voz subindo
do mar de barracas e legumes era como a própria sirena policial,
documentando, por seu uivo, a ocorrência grave, que fatalmente se
estaria consumando ali, na claridade do dia, sem que ninguém pudesse
evitá-la.
Moleques
de carrinho corriam em todas as direções, atropelando-se uns aos
outros. Queriam salvar as mercadorias que transportavam. Não era o
instinto de propriedade que os impelia. Sentiam-se responsáveis pelo
transporte. E no atropelo da fuga, pacotes rasgavam-se, melancias
rolavam, tomates esborrachavam-se no asfalto. Se a fruta cai no chão,
já não é de ninguém; é de qualquer um, inclusive do
transportador. Em ocasiões de assalto, quem é que vai reclamar uma
penca de bananas meio amassadas?
— Olha
o assalto! Tem um assalto ali adiante!
O
ônibus na rua transversal parou para assuntar. Passageiros
ergueram-se, puseram o nariz para fora. Não se via nada. O motorista
desceu, desceu o trocador, um passageiro advertiu:
— No
que você vai a fim de ver o assalto, eles assaltam sua caixa.
Ele
nem escutou. Então os passageiros também acharam de bom alvitre
abandonar o veículo, na ânsia de saber, que vem movendo o homem
desde a idade da pedra até a idade do módulo lunar.
Outros
ônibus pararam, a rua entupiu.
—
Melhor. Todas as ruas estão bloqueadas.
Assim eles não podem dar no pé.
— É
uma mulher que chefia o bando!
— Já
sei. A tal dondoca loura.
— A
loura assalta em São Paulo. Aqui é a morena.
— Uma
gorda. Está de metralhadora. Eu vi.
— Minha
Nossa Senhora, o mundo está virado!
— Vai
ver que está caçando é marido.
— Não
brinca numa hora dessas. Olha aí sangue escorrendo!
—
Sangue nada, tomate.
Na
confusão, circularam notícias diversas. O assalto fora a uma
joalheria, as vitrinas tinham sido esmigalhadas a bala. E havia joias
pelo chão, braceletes, relógios. O que os bandidos não levaram, na
pressa, era agora objeto de saque popular. Morreram no mínimo duas
pessoas, e três estavam gravemente feridas.
Barracas
derrubadas assinalavam o ímpeto da convulsão coletiva. Era preciso
abrir caminho a todo custo. No rumo do assalto, para ver, e no rumo
contrário, para escapar. Os grupos divergentes chocavam-se, e às
vezes trocavam de direção: quem fugia dava marcha a ré, quem
queria espiar era arrastado pela massa oposta. Os edifícios de
apartamentos tinham fechado suas portas, logo que o primeiro foi
invadido por pessoas que pretendiam, ao mesmo tempo, salvar o pelo e
contemplar lá de cima. Janelas e balcões apinhados de moradores,
que gritavam:
— Pega!
Pega! Correu pra lá!
— Olha
ela ali!
— Eles
entraram na Kombi ali adiante!
— É
um mascarado! Não, são dois mascarados!
Ouviu-se
nitidamente o pipocar de uma metralhadora, a pequena distância. Foi
um deitar-no-chão geral, e como não havia espaço, uns caíam por
cima de outros. Cessou o ruído. Voltou. Que assalto era esse,
dilatado no tempo, repetido, confuso?
— Olha
o diabo daquele escurinho tocando matraca! E a gente com dor de
barriga, pensando que era metralhadora!
Caíram
em cima do garoto, que soverteu na multidão. A senhora gorda
apareceu, muito vermelha, protestando sempre:
— É
um assalto! Chuchu por aquele preço é um verdadeiro assalto!
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
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