segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O fanático


O fanático é o torcedor no manicômio. A mania de negar a evidência acaba fazendo que a razão e tudo que se pareça com ela afundem, e navegam à deriva os restos do naufrágio nestas águas ferventes, sempre alvoroçadas pela fúria sem tréguas.
O fanático chega ao estádio embrulhado na bandeira do time, a cara pintada com as cores da camisa adorada, cravado de objetos estridentes e contundentes, e no caminho já vem fazendo muito barulho e armando muita confusão. Nunca vem sozinho. Metido numa turma da barra-pesada, centopeia perigosa, o humilhado se torna humilhante e o medroso mete medo. A onipotência do domingo exorciza a vida obediente do resto da semana, a cama sem desejo, o emprego sem vocação ou emprego nenhum: liberado por um dia, o fanático tem muito de que se vingar.
Em estado de epilepsia, olha a partida, mas não vê nada. Seu caso é com a arquibancada. Ali está seu campo de batalha. A simples existência da torcida do outro time constitui uma provocação inadmissível. O Bem não é violento, mas o Mal obriga. O inimigo, sempre culpado, merece que alguém torça o seu pescoço. O fanático não pode se distrair, porque o inimigo espreita por todos os lados. Também está dentro do espectador calado, que a qualquer momento pode chegar a dizer que o rival está jogando corretamente, e então levará o castigo merecido.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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