quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Hei-de voltar

Mwadia sentiu o conflito a mordiscar-lhe o peito: ela queria, mas temia. O regresso a Vila Longe era sonho e pesadelo. Desejo de reencontrar os seus, de regressar à velha casa de infância. Receio de que os “seus” já não lhe pertencessem, e que a velha casa estivesse morta.
Recordava-se das últimas palavras de sua mãe, na distante tarde da despedida:
Vai de vez?
Eu hei-de voltar.
Se é para voltar, volte antes de partir.
Mwadia era a última filha a sair do lar. Todas as filhas tinham tomado a estrada e se desvaneceram na neblina. Nunca mais voltaram. A mãe remoía tristezas, repisando as palavras:
Pois então, minha filha, você vai embora...
Demorava os adeuses, queria que a despedida se arrastasse a vida inteira.
Você nasceu-me muito tarde, Muadita. Estou cansada, eu já não tenho forças para mais um rasgão dentro de mim.
Mia Couto, in O outro pé da sereia

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