Se
Deus não ficar bravo comigo, proponho um acréscimo às palavras de
Jesus, no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os que têm fome
porque serão fartos”. “Bem-aventurados os que estão fartos
porque eles terão fome de novo!” Pois poderá haver desgraça
maior que deixar de ter fome? Estar farto, não ter mais fome é o
tédio, o enfado, a impotência. Quem não tem fome está condenado a
não ter alegria.
Os
filósofos trataram de determinar quais são as categorias
fundamentais do pensamento, as mais famosas sendo as de Aristóteles
e as de Kant. Mas o corpo do nenezinho, que nada sabe e que nenhuma
palavra fala ou entende, já sabe que as coisas do mundo se dividem
em duas categorias apenas. Primeira, a classe das coisas gostosas que
devem ser degustadas e engolidas. Segunda, a classe das coisas que
não são gostosas e que devem ser cuspidas ou vomitadas. Essas são
as duas categorias fundamentais da sapiência.
A
criança brinca com o seio. Seio é mais que leite. É brinquedo.
Chupar dá prazer: início dos nossos impulsos antropofágicos! Esse
desejo infantil vai nos acompanhar pelo resto da vida.
Os
poetas são cozinheiros pretensiosos que se esforçam por transformar
o universo em banquete.
Amor
e fome são a mesma coisa. Nada mais triste para uma cozinheira que o
convidado sem apetite. “Não tenho fome.” Ou aquele que diz: “
Já estou satisfeito”. Quem diz “não tenho fome” está dizendo
“não quero mais fazer amor com você”.
Diz
o ditado que “o melhor da festa é esperar por ela”. Há prazeres
que moram no tempo da espera. Num verso alegre, sem a tristeza do
verso do Chico, posso dizer que “saudade é fazer comida para o
filho que vai chegar...”. Ai que saudade boa! É prazeroso preparar
o prazer.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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