A
estória de Chapeuzinho Vermelho nos ensina preciosas lições
políticas. Caminhando pela floresta, Chapeuzinho, tão bobinha,
acredita na fala do lobo, escondido no meio das árvores. Assim é o
povão: acredita em qualquer coisa. Se duvidam, sugiro que gastem um
pouco do seu tempo olhando os programas religiosos na televisão.
Esses programas poderiam ser usados para avaliar o grau de
inteligência e educação da população. É assombroso aquilo em
que se pode acreditar! Acredita-se em tudo, desde que um milagre seja
prometido. Muito mais espertos que o lobo de antigamente, os lobos de
agora valem-se da mais moderna tecnologia. Contratam “produtores de
imagem”. O que é um “produtor de imagem”? É um profissional
de estética que faz operações plásticas na imagem do candidato de
forma que ele deixe de ser o que era, naturalmente, e fique parecido
com a imagem que o povo deseja. Pois o lobo, já com a vovozinha
dentro da barriga – (Voz gutural: “Que grande goela a minha!
Engoli a velha inteirinha!”) –, “fantasiou-se” de vovozinha.
“Toc, toc, toc...”, Chapeuzinho bateu à porta. “Quem bate sem
ordem minha?”, pergunta o lobo com voz grossa. “Sou eu,
Chapeuzinho...” O produtor de imagem que se escondia atrás da
cabeceira da cama lhe disse logo: “Mude a voz, mude a voz...”. E
sua voz gutural se transforma na trêmula voz de uma velhinha
indefesa: “Pode entrar, minha netinha”. Chapeuzinho conhecia a
vovó muito bem. Aproxima-se da cama e, pasmem!, não percebe a
diferença. As orelhas, os olhos, o focinho, os dentes, os pelos na
pata, o cheiro de corrupção, tudo dizia: “Fuja! Não é a
vovozinha! É o lobo!”. Mas Chapeuzinho era muito burra, muito
burrinha mesmo. Como o povão que vê televisão, ela acreditava na
“imagem”. Na estória, os caçadores salvam a tonta. Mas acho que
não merecia ser salva. O lobo era mais inteligente que ela. A
burrice não merece ser salva. Essa estória dá duas lições
negativas às crianças. A primeira é que nem sempre é sábio fazer
o que a mãe manda. Uma mãe que manda uma filha por uma floresta
onde havia um lobo só pode ser louca. Maternidade não é garantia
de sanidade. A segunda é uma lição mentirosa: que não importa ser
burro porque os caçadores aparecem no fim para consertar o estrago.
Na vida real o fim é outro. O lobo, juntamente com os caçadores e
os produtores de imagem, comem Chapeuzinho Vermelho, como atestam
esses anos de “democracia” no Brasil.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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