Essa
noite, não longe do cume da colina de Saint Pierre, uma valorosa e
venturosa música grega nos acaba de revelar que a morte e mais
inverossímil que a vida e que, por conseguinte, a alma perdura
quando seu corpo é caos. Isto quer dizer que Maria Kodama, Isabelle
Monet e eu somos três, como ilusoriamente acreditávamos. Somos
quatro, já que também está conosco, Maurice. Com vinho tinto
brindamos à sua saúde. Não fazia falta a tua voz, não fazia falta
o roçar de tua mão nem tua memória. Estavas aí, silencioso e sem
dúvida sorridente, ao perceber que nos assombrava e maravilhava esse
fato notório que ninguém pode morrer. Estavas aí, ao nosso lado, e
contigo as multidões dos que dormem com seus pais, segundo se lê
nas páginas da Bíblia. Contigo estavam as multidões das sombras
que beberam na tumba ante Ulisses e também Ulisses e também todos
os que foram ou imaginaram os que foram. Todos estavam aí, e também
meus pais e também Heráclito e Yorick. Como pode morrer uma mulher
ou um homem ou uma criança, que foram tantas primaveras e tantas
folhas, tantos livros e tantos pássaros e tantas manhãs e noites.
Esta
noite posso chorar como um homem, posso sentir que pelas maçãs do
rosto as lágrimas resvalam, porque sei que na terra não há uma só
coisa que seja mortal e que não projete sua sombra. Esta noite me
disseste sem palavras, Abramowicz, que devemos entrar na morte como
quem entra em uma festa.
Jorge
Luis Borges, in Os conjurados
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