Alguns
amigos se juntaram e resolveram fazer algo pela pequena cidade do
interior em que moravam. Pensaram que seria possível colocar um
pouco de razão nessa coisa tão movida a paixões que é a política.
Nada partidário. Não levantaram bandeiras. Não defenderam
candidatos. Não gritaram slogans . Propuseram aos dois candidatos a
prefeito que respondessem a uma série de perguntas sobre os seus
planos, as mesmas perguntas para os dois. As perguntas foram feitas
por escrito e eles tiveram dez dias para escrever suas respostas. As
perguntas e as respostas, com a concordância de ambos, foram
transformadas num tabloide e distribuídas pela população. Num dia
previamente marcado, os dois candidatos deveriam ler as suas
respostas e assiná-las, como um documento público. Assim aconteceu.
Os dois candidatos compareceram ao local designado junto com seus
partidários, que se assentaram em dois blocos de cadeiras separadas.
Mas o que sucedeu nada teve de racional. Era mais como o confronto
entre torcidas de dois times de futebol, cada torcida odiando a
outra. Vaias, gritos, apupos, xingamentos. Ninguém estava
interessado em ouvir e compreender o outro. O clima foi ficando tenso
e havia a possibilidade de que, terminado o evento, houvesse um
confronto físico entre os dois grupos, tal como frequentemente
acontece com torcidas de futebol. Ao final, a palavra foi aberta aos
presentes. Uma amiga, uma mansa mulher, se levantou trêmula e disse
algo mais ou menos assim: “Eu e meu marido nos mudamos para cá por
opção. Cansados da brutalidade de São Paulo, escolhemos esta
cidade porque ela nos pareceu habitada por pessoas cordiais e
pacíficas. Mas agora estou triste. Perdemos nossas ilusões...”.
Disseram alguns participantes que foi essa fala mansa que envergonhou
as torcidas já preparadas para a briga. Que pena que aconteça
assim! Usando a metáfora do futebol: as eleições não são um
confronto entre dois times que se odeiam. Não há dois times. O time
é um só. Todos jogamos nele. Nosso time é a cidade. O que
acontecer na cidade acontecerá a todos nós. O que acontece nas
eleições é a escolha do técnico do time no qual todos nós
jogamos. Dizem as Sagradas Escrituras que uma cidade dividida contra
si mesma não pode sobreviver. Será esse o nosso destino, viver
batalhas de ódio que só produzem divisões? As pessoas, por terem
ideias diferentes, têm de se tornar inimigas? Alguns acham que sim.
Elas se tornam inimigas daqueles que têm ideias diferentes das suas.
Eu mesmo ganhei muitos inimigos... Isso acontece porque há aqueles
que se julgam possuidores da verdade. Mas ninguém é dono da
verdade. Por isso existe a democracia: porque ninguém tem a verdade.
Só temos opiniões precárias. Quem se julga dono da verdade tem de
ser intolerante.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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