Há
certas circunstâncias e ocasiões bizarras neste estranho e caótico
negócio que chamamos de vida nas quais um homem considera todo o
universo uma grande piada, ainda que mal perceba a sua graça, e mais
do que suspeita que a piada seja feita à sua custa e de mais
ninguém. No entanto, nada o desanima, e nada parece valer o esforço
de uma disputa. Ele engole todos os acontecimentos, todas as crenças
e credos, e convicções, todas as coisas difíceis, visíveis ou
invisíveis, pouco importando quão intricadas sejam; como um
avestruz de estômago poderoso devora cartuchos e pedras de fuzis.
Quanto às pequenas dificuldades e preocupações, expectativas de
desastres súbitos, perigo de vida ou ferimentos; tudo isso e a
própria morte lhe parecem apenas manhosos e bem-humorados safanões,
tapas nas costas dados pelo galhofeiro invisível e inexplicável.
Esse tipo estranho de humor caprichoso ao qual me refiro assola o
homem apenas nos momentos de tribulação extrema; assola-o em meio à
sua seriedade, de tal modo que aquilo que lhe parecia uma coisa muito
importante se afigura, então, como parte da piada geral. Não há
nada como os perigos da pesca da baleia para gerar esse tipo
indulgente e liberto de filosofia genial daquele que não tem nada a
perder; e assim eu agora encarava toda a viagem do Pequod , e a
grande Baleia Branca, seu propósito.
“Queequeg”,
disse, quando fui levantado ao convés, o último homem, e ainda me
sacudia para tirar a água que estava na minha jaqueta; “Queequeg,
meu bom amigo, esse tipo de coisa acontece sempre?” Sem muita
emoção, ainda que tão encharcado quanto eu, deu-me a entender que
tais coisas sempre aconteciam.
“Sr.
Stubb”, disse eu, voltando-me àquele homem digno, que, todo
abotoado em seu casaco impermeável, fumava agora calmamente seu
cachimbo na chuva; “Sr. Stubb, penso tê-lo ouvido dizer que, de
todos os baleeiros que o senhor conhece, nosso primeiro oficial, o
sr. Starbuck, é o mais cuidadoso e o mais prudente. Imagino, então,
que atirar-se sobre uma baleia fugitiva com a vela desfraldada numa
tempestade com neblina é o máximo de prudência que se pode esperar
de um baleeiro?”
“É
claro! Eu já desci os botes de um navio com vazamento para caçar
baleias no meio de uma tempestade ao largo do cabo Horn.”
“Sr.
Flask”, disse eu, virando-me para o pequeno King-Post, que estava
parado ali perto; “você tem experiência nessas coisas, e eu não.
Você poderia me dizer se é uma lei inalterável nesta pesca, sr.
Flask, que um remador deva quebrar a coluna arrastando-se de costas
para as mandíbulas da morte?”
“Precisa
fazer tantos rodeios?”, disse Flask. “Sim, esta é a lei. Queria
ver uma tripulação remando de frente para a baleia. Rá, rá! e a
baleia ficaria fazendo-lhes caretas, já pensou?!”
Eis
que então, de três testemunhas imparciais, eu obtivera declarações
deliberadas sobre todo o caso. Considerando, portanto, que
tempestades e naufrágios e os consequentes bivaques no fundo do mar
eram ocorrências comuns neste tipo de vida; considerando que no
momento superlativamente crítico de ir em direção à baleia devo
entregar minha vida nas mãos daquele que comanda o bote – muitas
vezes um sujeito que naquele exato momento está em sua impetuosidade
a ponto de fazer um rombo na embarcação com suas pisadas
frenéticas; considerando que o desastre em particular de nosso bote
em particular foi principalmente devido a Starbuck ter nos guiado em
direção à sua baleia na boca da tempestade, e considerando que
Starbuck, no entanto, era famoso por sua grande diligência na pesca;
considerando que eu pertencia a este bote do prudentíssimo Starbuck;
e finalmente considerando a caçada demoníaca em que eu estava
implicado, no tocante à Baleia Branca: levando tudo isso em conta,
digo, pensei que podia muito bem descer e fazer um rascunho sumário
de meu testamento. “Queequeg”, eu disse, “venha comigo, você
será meu advogado, executor e herdeiro.”
Pode
parecer um fato estranho que os marinheiros se dediquem aos últimos
desejos e testamentos, mas não há homens no mundo mais afeitos a
tal diversão. Esta era a quarta vez em minha vida marinha que fazia
a mesma coisa. Depois de concluída a cerimônia na presente ocasião,
senti-me muito mais aliviado; uma pedra foi retirada do meu coração.
Além do mais, todos os dias que viveria agora seriam tão bons
quanto os que viveu Lázaro após sua ressurreição; um lucro
líquido suplementar de tantos meses ou semanas, conforme fosse o
caso. Eu sobrevivi a mim mesmo; minha morte e enterro estavam
cerrados em meu peito. Olhei ao meu redor tranquilo e contente, como
um fantasma pacífico com a consciência limpa sentado dentro de um
aprazível jazigo de família.
Agora,
pois, pensei, inconscientemente arregaçando as mangas do meu casaco,
façamos juntos um refrescante mergulho na morte e na destruição, e
que o diabo carregue o último que ficar.
Herman
Melville, in Moby Dick
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