Prezada
Nena,
Espero
que esta lhe encontre gozando de muita saúde assim como todos os
seus.
Nem
três meses faz que a gente chegou aqui e já deu pra reparar que as
diferenças daí são muitas, porém são muitas também as
parecenças.
Esse
Rio de Janeiro é tão amostrado, Nena, que parece até que a gente
tá na França, de tanto canto lindo que aparece. Por outro lado, tem
hora que dá pra jurar que aqui é aí, tamanha a desgraceira. O povo
daqui, sendo rico ou sendo pobre, fala igualmente alto. Só não sei
o motivo de tanta gritaria, se é falta de alegria ou se é falta de
tristeza.
O
Maracanã é grande mesmo e se a pessoa for arrodear ele a pé leva
bem meia hora, Nena.
A
Lagoa por fora é uma beleza, infelizmente é estragada por dentro.
O
que você não ia acreditar era em cada túnel, não sei quantos,
devido ao fato de aqui ter muita pedra. O Cristo Redentor quando
acende lá em cima é todinho o Cristo Redentor, exato como ele
aparece nas novelas. Já o Pão de Açúcar, esse de fato são dois,
o maior e o menor, mesmo tendo nome de um apenas. Se Nossa Senhora me
der um tantinho assim mais de coragem, juro que ainda tomo aquele
bonde.
O
céu daqui fica muito mais perto do chão do que o daí. É só olhar
pro topo dos prédios e lá está ele parado, logo ali em cima,
diariamente. Dia que tem nuvem só se enxerga o pé do morro. Noite
que tem chuva só se escuta a choradeira.
A
gente vai levando como Deus quer e consente, ora é uma coisa, ora
outra, ora nem uma coisa nem outra e é aí que o negócio pega. De
trabalho mesmo só me apareceu uma faxina dia de quarta na casa de
uma mulher que mora em Copacabana. Ela não paga muito, não, em
compensação tem tanta prata que dá até gosto limpar tudo e depois
empilhar bem direitinho.
Avise
a Neto que quando as coisas melhorarem eu começo a juntar dinheiro
pra comprar o celular dele. Quem sabe até o fim do ano eu deposito
uns duzentos. Mande dizer o número da conta, mas copie com cuidado
que de outra vez o algarismo veio errado e foi uma agonia de vai no
banco e volta não sei quantas vezes, isso que você não avalia o
tamanho da fila.
Não
fosse a perna de mãe que não desincha nem com antibiótico nem com
rezadeira, de resto tudo tá mais ou menos nos conformes. Só não
sei dizer o que é pior, se é o custo de vida ou a saudade, pois
aqui não tem cheiro de cana, Nena, e até hoje não vi um único pé
de algaroba pra chorar mais eu, portanto tenho que chorar sozinha.
Eu
continuo procurando um quarto grande que dê nós quatro dentro, pois
morar de favor na casa dos outros além de ser bastante desagradável
ainda por cima é ruim demais. Por mais que se ajude na despesa e no
serviço, pensa que resolve? Olhe que se tem coisa que eu não sou é
desagradecida, mas tia Carminha vive de cara feia, e as meninas
reclamam de tudo, é um aperto danado, imagine só o desmantelo. Tem
dia que eu me dano a andar cidade afora somente pra não escutar
queixa por queixa. Esquecendo as desavenças, vai se indo.
Para
o mês, Mariinha completa quinze anos. Na ausência de festa, faz-se
um bolo. Ela está namorando um rapaz muito direito, que toma conta
de carro em rua de rico, embora eu pense que ela ainda não esqueceu
Zé Geraldo aí do posto. Júnior arrumou emprego, mas desarrumou em
seguida e tá parado no momento. Eu mesma já repeti mais de mil
vezes pra ele largar de ser desleixado e tratar logo de aprender a
mexer em computador, pois hoje em dia quem não se entende com o dito
não arranja nada decente nessa vida. Pelo visto, ele puxou mesmo ao
pai, inclusive na leseira.
Por
falar no desinfeliz do pai dele, já bati a cidade inteira e ainda
não encontrei o homem, também como é que eu ia adivinhar que o Rio
de Janeiro era tão grande?
Tenho
pra mim que ele tava era me enganando o tempo todo com essa conversa
de mandar buscar a gente no Natal, ou então não teria escrito o
endereço errado, que essa tal rua que ele falou nem existe, Nena.
Se
eu encontrar o triste, ligo a cobrar avisando. Dia de domingo é mais
barato. Mesmo não encontrando, ligo de todo modo, uma vez que, com
homem ou sem ele, a vida segue.
Nena,
não se esqueça de aguar minhas plantas nem de dar de comer à
Duquesa.
Deus
lhe pague em dobro tudo que você fez por mim, por mãe e pelos
meninos.
A
sorte ajudando, dia desses eu tiro na raspadinha e mando passagem de
leito pra você mais Neto virem conhecer o Rio.
Reze
daí que eu rezo de cá.
Dê
lembranças minhas a todos e aceite todo o carinho da sua eterna
amiga,
Doris.
Adriana
Falcão, in O doido da garrafa
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