Tinha
eu um amigo, o Simplício, o qual sempre dizia ao saber que alguém
metera uma bala nos miolos:
— Ué!
por que é que ele não pôs o revólver no prego?
Para
ele, a razão óbvia só podia ser a falta de dinheiro — pois isso
se passava naqueles áureos tempos de miséria estudantil.
Anos
após, chegaríamos ambos a esse lugar-comum de que dinheiro não
traz felicidade, coisa um tanto discutível como quase todos os
ditames da sabedoria popular. Aliás, já escrevera um poeta: “O
dinheiro não traz ventura, certamente./ Mas na verdade vos digo:/
sempre é melhor chorar junto à lareira quente/ do que na rua ao
desabrigo...”
Não,
não estou brincando com as desgraças alheias: eu só brinco com as
minhas.
Nunca
achei tampouco que se deveria glosar tal coisa. Tanto assim que certa
vez duas moças me abordaram na rua:
— É
só uma pergunta. Estamos fazendo uma pesquisa. O que é que o senhor
acha do suicídio da Marilyn Monroe?
— Não
tenho competência para tratar do assunto, porque eu nunca tive a
coragem de me matar. Uma justificativa? Qual nada! Sempre desconfiei
desses escritores apologistas do suicídio mas que jamais recorrem ao
único argumento válido, com o seu próprio exemplo.
A
única opinião, aliás, que me veio a esse respeito foi depois de
uma casual conversa, quando íamos pela rua da Praia, o dr. Vidal de
Oliveira e eu. Estávamos em 1941. Acabara ele de traduzir O drama de
Jean Barois . Ora, essa novela do autor de Os Thibault focalizava o
Caso Dreyfus, que enchera durante anos os romances franceses,
rivalizando em insistência com o Caso do Colar da Rainha do tempo
dos folhetinistas românticos.
Aquele
grande escritor já vinha tarde. Pois bem, perguntou-me o saudoso
amigo:
— Que
tal achaste o Jean Barois?
—
Chato!
Ele,
que adorava o livro, parou, indignado:
—
Mario! Por que tu não te matas?
— Não
posso, eu quero ver no que vai dar esta guerra. Quero ver o que será
do Hitler, o que será do Mussolini... o que será de nós.
Pois
só após esse diálogo histórico (estávamos em pleno bombardeio de
Londres) é que acabei dizendo para os meus pobres botões: sim, o
suicídio só pode ser uma falta de curiosidade, uma grande falta de
curiosidade…
Mário
Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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