Uma
vez um episódio me foi contado sucintamente por uma mocinha. Eu lhe
pedi então que anotasse o que me dissera, sem fazer literatura nem
estilo, apenas como lembrete para mim, pois eu pretendia fazer uma
espécie de conto do que ela narrara.
A
moça pegou um bloco de papel e sentou-se num canto de minha sala,
meio de costas para mim. E eu fiquei sentada pensando e sentindo,
esperando, vendo de través sua mãozinha rápida demais a correr
sobre o papel, enquanto eu compunha mentalmente a história que ali
mesmo desenvolvi completamente.
Ela
parou e disse: – Não sei como continuar.
Então,
como se eu já tivesse lido o que ela escrevera antes, ditei-lhe a
parte mais importante.
Em
breve a mocinha disse: – Está pronto, vou ler alto para você
porque minha letra não é boa.
Ao
ouvir, meus olhos se abriram em grande surpresa: ali estava a
história quase como eu pretendia contá-la e como a forjara enquanto
ela escrevia!
Interrompi
a moça para lhe dizer:
– Mas
você escreveu como eu, com minhas próprias palavras! A história
está por assim dizer pronta! Como é isso?
Ela
respondeu:
–
Quando eu estava escrevendo tinha a
impressão nítida de que você estava ditando para mim, e era só eu
copiar. Foi tão fácil.
Não
pode ter sido o estilo que usou influenciado pelo meu, pois ela
confessou que não lera senão algumas páginas minhas e que não
aguentara ler mais, tocava-lhe demais o coração. Além de que o
nosso convívio pessoal era recentíssimo…
O
que na verdade aconteceu é que a mocinha havia sido meu receptáculo.
Estou
contando esse fato verídico sem entendê-lo. O mistério das
relações humanas me fascina.
Clarice
Lispector, in Aprendendo a viver
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