Para
ele, as mulheres dividiam-se em dois tipos: as que dividiam os homens
em dois tipos e as que não dividiam. E ela era o tipo de mulher que
dividia os homens em dois tipos: os que sabiam chamar o garçom e os
que não sabiam.
Ele
não sabia chamar o garçom. Nunca soube. Nem chamar o garçom, nem
pedir abatimento, nem passar conversa no guarda, nem descolar convite
pra festa, nem entender as mulheres, nada disso ele sabia. Também
não sabia se ela dividia mesmo os homens em dois tipos, pelo menos
não tinha certeza, nenhuma prova concreta. Só intuía.
Mas,
como homens que não sabem chamar o garçom na maioria das vezes têm
ótima intuição, tudo levava a crer que ele estava perdido.
Logo
mais eles iam sair juntos pela primeira vez. Ele ia pegá-la em casa
(já tinha até feito uma lista de assuntos para conversar durante o
caminho), finalmente haviam de chegar ao restaurante, iam sentar numa
mesinha agradável num cantinho aconchegante (os cantinhos
aconchegantes são sempre os de mais difícil acesso), e, então, se
Deus ajudasse, o garçom ia se aproximar espontaneamente para anotar
o pedido das bebidas. Logo depois ia trazer uma vodca para ele e uma
taça de vinho branco para ela (ela era o tipo de mulher que pede uma
taça de vinho branco, infelizmente, devia pedir logo uma garrafa
inteira) e depois ia sumir novamente, o garçom, às vezes eles somem
mesmo.
Enquanto
a taça dela estivesse até a metade, ele ainda ia ter algum sossego.
Mas assim que a taça estivesse mais vazia do que cheia, sinal de que
o momento fatal não tardava a chegar, ele não ia pensar em outra
coisa a não ser “tenho que chamar o garçom”.
E
como é que se chama um garçom, minha Nossa Senhora?
É
fácil. Um simples gesto. Levanta-se qualquer uma das mãos acenando
delicadamente. Só isso. É claro que o garçom não ia ver.
Acontece. Mas se ele tentasse de novo, e mais uma vez, se passasse a
noite inteira tentando, sempre com forte pensamento positivo, não
era possível que uma hora o garçom não visse, mesmo que fosse
míope e que tivesse esquecido os óculos em casa. Ainda restava a
esperança de que outro garçom, mais atento, avisasse o colega.
Afinal, não é tão impossível assim alguém ver um homem acenando
a noite inteira, com forte pensamento positivo, dentro de um pequeno
restaurante.
Imagine-se
que ele obteve sucesso, e o garçom finalmente respondeu ao seu
chamado. Ele pediria outra taça de vinho para ela, podia até pedir
logo as três próximas, aproveitava e já pedia o cardápio.
Imagine-se
agora que a taça dela esvaziou, ele acenou, nada, acenou outra vez,
horas seguidas, ela ficou querendo outra, o garçom não viu, ela
desistiu do vinho e disse: vamos pedir logo os pratos? Vamos. E como
é que se faz para pedir os pratos? Pede-se o cardápio. Isso!
Chamando o garçom.
E
como é que se chama um garçom, minha Nossa Senhora?
Talvez
ele tivesse que apelar para o grito. “Companheiro!” Não. “O
cardápio, Mestre!” Pior. “Ô, meu querido, a gente queria dar
uma olhadinha no cardápio.” Era melhor morrer.
“Garçom!”,
pura e simplesmente, ainda era a melhor opção, em se contando com a
sorte de ser ouvido. Se tudo desse certo, exibiria a mão esquerda
aberta, como se estivesse segurando um cardápio imaginário, e faria
um movimento vertical com a direita, como se varresse o cardápio,
que não estava na mão esquerda, de cima a baixo. Ou até diria “o
cardápio, por favor!”, frase que, sejamos autocomplacentes, não
chega a matar ninguém.
O
cardápio chegou, imagine-se. Então, era torcer para ela escolher
logo o prato antes que o garçom se fosse outra vez. Escolheu. Pediu.
Graças a Deus. Agora ele teria a refeição inteira para pensar na
maneira menos trágica de pedir a conta. Escrevendo uma suposta conta
com uma caneta imaginária? O garçom não ia ver, é óbvio. E se
pedisse a conta junto com os pratos? Não. Ela podia querer uma
sobremesa. Quem sabe até, depois, um cafezinho.
Resolveu
ligar para ela. “Não dá pra continuar lhe enganando. Eu sou o
tipo de homem que não sabe chamar o garçom. Pronto. Confessei. Se
você quiser desmarcar o encontro, pode desmarcar, eu compreendo.”
E
ela, que era o tipo de mulher que acreditava que só existia um tipo
de homem, o que engana as mulheres, não só confirmou o encontro
como ainda escolheu o vestido mais decotado que tinha.
Adriana
Falcão, in O doido da garrafa
Nenhum comentário:
Postar um comentário