sexta-feira, 12 de maio de 2017

As prendas e as fadas

Realizava-se a grande assembleia das Fadas, para proceder à distribuição das prendas entre todos os recém-nascidos que há vinte e quatro horas tinham sido dados à luz.
Todas essas antigas e caprichosas Irmãs do Destino, todas essas Mães bizarras da alegria e da dor, eram muito diferentes: umas tinham o ar sombrio e aflito, outras um ar satisfeito e maligno; umas eram jovens, que sempre foram jovens; outras eram velhas, que sempre foram velhas.
Todos os pais que acreditam nas Fadas tinham vindo, cada qual trazendo um recém-nascido nos braços.
As Prendas, as Faculdades, as Venturas, as Circunstâncias invencíveis, acumulavam-se ao lado do tribunal, como prêmios no estrado, numa distribuição de prêmios. Mas, o que havia de particular era que as Prendas não eram a recompensa de um esforço, mas, ao contrário, uma graça concedida aos que ainda não tinham vivido, graça que podia determinar-lhe o destino e tornar-se tanto a fonte de sua desgraça como da sua felicidade.
As pobres fadas estavam atarefadíssimas, pois o número dos candidatos era grande, e o mundo intermediário, colocado entre o homem e Deus, está submetido como nós à terrível lei do Tempo e de sua infinita posteridade, os Dias, as Horas, os Minutos, os Segundos.
Estavam, na verdade, preocupadas como ministros em dia de audiência, ou empregados do Montepio quando uma festa nacional autoriza as retiradas gratuitas. Creio mesmo que observavam de vez em quando o ponteiro do relógio, com tanta impaciência como os juízes humanos que, sentados desde manhã, não podem deixar de pensar no jantar, na família e nos queridos chinelos. Se, na justiça sobrenatural, há um pouco de precipitação e acaso, não nos admiremos que às vezes aconteça o mesmo na justiça humana. Seríamos também nós, nesse caso, juízes injustos.
Também foram cometidas naquele dia algumas faltas que se poderiam considerar extravagantes, se a prudência, e não o capricho, fosse o característico distintivo e eterno das Fadas.
Assim, a faculdade de atrair magneticamente a fortuna foi atribuída ao herdeiro único de uma família riquíssima, o qual, não sendo dotado de nenhum sentimento de caridade, nem tão pouco de nenhuma cobiça pelos bens mais visíveis da vida, devia achar-se mais tarde prodigiosamente embaraçado com seus milhões.
Assim, o amor ao Belo e a Inspiração poética foram dados ao filho de um sombrio indigente, canteiro de profissão, que não podia, de modo algum, ajudar as faculdades, nem aliviar as necessidades de sua deplorável progenitura.
Esqueci-me de dizer que a distribuição, nesses casos solenes, não tem apelação e que nenhuma prenda pode ser recusada.
Todas as Fadas se levantaram, julgando terminada a tarefa. Não restava nenhum dom, nenhum presente que lançar a todo aquele cardume humano, quando um bom homem, um pobre pequeno comerciante, creio eu, levantou-se e, segurando pela túnica de vapores multicores a Fada que estava mais ao seu alcance, exclamou: — Eh, senhora! Não se esqueça! Há ainda o meu filho! Não vim aqui à toa! A Fada poderia embaraçar-se, pois já não restava nada. No entanto, lembrou-se a tempo de uma lei que, embora raramente aplicada, é muito conhecida no mundo sobrenatural, onde moram essas deidades impalpáveis, amigas do homem e muitas vezes constrangidas a adaptar-se às paixões humanas: Fadas, Gnomos, Salamandras, Sílfides, Silfos, Nixos, Ondinos e Ondinas. Refiro-me à lei que concede às Fadas, em casos semelhantes, isto é, no caso de se esgotarem as prendas, a faculdade de dar ainda uma, suplementar e excepcional, mas desde que possua imaginação bastante para criá-la imediatamente.
A boa Fada respondeu, então, com uma delicadeza digna de sua linhagem: — Dou ao teu filho... dou-lhe... o dom de agradar!
Mas agradar como? Agradar? Agradar por quê? — perguntou obstinadamente o pequeno negociante, que era sem dúvida um raciocinador vulgar, incapaz de elevar-se até à lógica do Absurdo.
Por quê! Por quê! — replicou a Fada indignada, voltando-lhe as costas.
Depois, reunindo-se de novo ao cortejo de suas companheiras, dizia-lhes: — Que acham vocês desse pequeno francês vaidoso, que tudo quer compreender e que, tendo obtido para o filho a prenda melhor, ainda ousa interrogar e discutir o indiscutível?
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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