Por
um instante, Lennie ficou lá quieto, e daí disse, cheio de
esperança:
– A
gente vai trabaiá numa fazenda, George?
– É
isso aí. Isso ocê entendeu. Mas hoje a gente vai dormi aqui porque
eu quero.
O
dia estava indo embora rapidamente. Apenas o topo das montanhas
Gabilan queimava com a luz do sol que já tinha ido embora do vale.
Uma cobra-d’água deslizou pela lagoa, com a cabeça erguida como
um pequeno periscópio. Os juncos estremeciam um pouco por causa da
corrente. Ao longe, na direção da estrada, um homem gritou alguma
coisa, e outro homem gritou em resposta. Os galhos dos plátanos
farfalharam um pouco devido a uma brisa fraca que morreu
imediatamente.
–
George… por que é que a gente num vai
até lá na fazenda arrumá uma janta? Tem janta na fazenda.
George
rolou o corpo para o lado.
– Num
vô dá razão nenhuma pr’ocê. Eu gostei daqui. Amanhã a gente
vai lá trabaiá. Vi umas máquina de debulhá no caminho pra cá.
Isso qué dizê que a gente vai tê que ficá carregando saco de
cereal, a gente vai estourá as tripa. Hoje vô ficá aqui deitado
olhando pra cima. Gostei da ideia.
Lennie
ficou de joelhos e olhou para George:
– A
gente não vai jantá?
– Claro
que vai, se ocê fô buscá uns galho seco de salgueiro. Tenho treis
lata de fejão na minha troxa. Ocê arruma o fogo. Eu te dô um
fósfro quando a madera tivé pronta. Daí a gente isquenta o fejão
e janta.
Lennie
disse:
– Eu
gosto de comê fejão com molho de tomate.
– Bom,
a gente num tem molho de tomate nenhum. Vai lá buscá a madera. E
num vai ficá dando volta por aí. Logo, logo vai iscurecê.
Lennie
ficou de pé e desapareceu no meio do bosque. George ficou deitado
onde estava e assobiou baixinho para si mesmo. Ouviu um som de
chapinhar rio abaixo, na direção que Lennie tinha tomado. Parou de
assobiar e ficou prestando atenção.
– Que
idiota, coitado – disse em voz baixa e logo recomeçou a assobiar.
Logo
Lennie voltou, atravessando o bosque ruidosamente. Carregava um
galhinho de salgueiro na mão. George se sentou.
– Muito
bem – disse, brusco. – Pode me dá esse rato agora memo!
Mas
Lennie fez uma elaborada pantomima de inocência.
– Que
rato, George? Num tem rato nenhum.
George
esticou a mão.
– Anda
logo. Pode me dá. Ocê não engana ninguém. Lennie hesitou, recuou,
olhou inquieto para o bosque que margeava o rio, como se estivesse
considerando a possibilidade de correr para a liberdade. George
disse, com frieza:
– Ocê
vai me dá esse rato ou eu vô tê que te dá uma surra?
– Te
dá o que, George?
– Ocê
sabe muito bem o quê. Eu quero esse rato.
Lennie
enfiou a mão no bolso com relutância. A voz tremeu um pouco:
– Num
sei por que que eu num posso ficá com ele. Esse rato num é de
ninguém. Eu num robei. Achei jogado do lado da estrada.
A
mão de George continuou estendida, cheia de decisão. Lentamente,
como um cão terrier que não quer entregar uma bola ao dono, Lennie
se aproximou, recuou, aproximou-se de novo. George estalou os dedos
com força, e, a esse som, Lennie colocou o rato na mão dele.
– Eu
num tava fazendo nada de mau com ele, George. Só tava agradando.
George
se levantou e jogou o rato o mais longe que conseguiu no meio do
bosque, depois foi até a lagoa e lavou as mãos.
– Seu
bobo loco. Ocê acha que eu num vi que os seus pé tá tudo molhado
porque ocê atravessô o rio pra buscá ele? – Ouviu o choro
manhoso de Lennie e deu meia-volta. – Tá chorando que nem um bebê!
Jesus Cristo! Um sujeito grande igual ocê.
O
lábio de Lennie tremeu e lágrimas brotaram de seus olhos. – Ah,
Lennie! – George colocou a mão no ombro de Lennie.
– Num
tirei d’ocê por maldade. Aquele rato num tá nada fresco, Lennie;
e, além disso, ocê quebrô ele co’os seus agrado. Se ocê arrumá
otro rato mais fresco, eu deixo ocê ficá com ele um pouquinho.
Lennie
sentou-se no chão e deixou a cabeça cair, desalentado.
– Num
sei onde é que vai tê otro rato. Eu lembro de uma moça que sempre
dava os rato dela pra mim… ela me dava todos os rato que ela tinha.
Mais aquela moça num tá aqui.
George
caçoou:
– Moça,
é? Ocê nem lembra quem era essa moça? Era a tua tia Clara, ela
mesma. E ela parô de dá pr’ocê. Porque ocê sempre matava todos
os rato.
Lennie
olhou para ele com tristeza.
– Eles
era tão pequenininho – disse, como que pedindo desculpas. – Eu
agradava eles e logo eles começava a mordê o meu dedo e eu apertava
a cabeça deles um poco e logo eles morria… porque eles era
pequenininho demais. Eu queria que a gente tivesse coelho logo,
George. Eles num são assim tão pequeno.
– Que
se dane os coelho. E num dá pra confiá em te dá um rato vivo
pr’ocê segurá na tua mão. Tua tia Clara deu pr’ocê um rato de
borracha, mais ocê num quis sabê dele.
– Ele
num era bom de agradá – respondeu Lennie.
A
chama do pôr do sol sumiu do topo das montanhas, e o anoitecer caiu
sobre o vale, e a semiescuridão penetrou por entre os chorões e os
plátanos. Uma grande carpa subiu até a superfície da lagoa, tomou
um gole de ar e tornou a afundar misteriosamente na água escura,
deixando na superfície d’ água anéis que foram se propagando. Lá
em cima, as folhas começaram a farfalhar de novo, e pequenos sopros
de algodão de salgueiro saíram voando e pousaram sobre a superfície
da lagoa.
John
Steinbeck, in Ratos e homens
Nenhum comentário:
Postar um comentário