“O
sonho é a explosão dos súditos na ausência do rei. Se o homem
fosse um ser único, não sonharia. Mas cada um de nós é uma tribo
em que somente um chefe tem os privilégios da vida iluminada. O
chefe é a pessoa reconhecida pelos semelhantes, o eu
legal da sociedade e da razão, obrigado a uma concordância fixa
consigo mesmo. Só ele tem relações expressas com o mundo exterior
e o único a reinar nas horas de vigília. Mas abaixo dele há um
pequeno povo de cadetes expulsos, de insurrectos punidos, de hóspedes
indesejáveis - exilados da zona da consciência, mas donos do
subconsciente, encerrados no subterrâneo,
mas prontos para a evasão, vencidos mas não mortos. Há a criança
que foi renegada pelo jovem, o delinquente imobilizado pela moral e a
lei, o louco que todos os dias estende armadilhas à razão
raciocinadora, o poeta que a prática condenou ao silêncio, o bobo
dominado pelas amarguras, o antepassado bárbaro que ainda se recorda
do machado de pedra e dos festins de Tiestes.
O
eu quotidiano e vulgar, o respeitável, o vigilante, o vitorioso,
dominou essa tribo de larvas inimigas, de irmãos renegados e
moribundos. E como a alma tem o seu subsolo, escuridão palúdica
encimada pela varanda iluminada da consciência, mantém encerrados
lá em baixo os intempestivos e preocupantes rivais. Às vezes,
conseguem emergir, no meio-dia do eu dominante, mas por breves
momentos - em particular, quando o homem está só consigo mesmo, sem
testemunhas, e faz e diz coisas estranhas que evitaria diante dos
companheiros. Em certas ocasiões, um deles consegue derrubar para
sempre o chefe legítimo, e o homem, em virtude dessa revolução
triunfante, torna-se assassino, louco ou gênio
- por vezes santo.”
Giovanni
Papini,
in
Relatório sobre
os homens
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