O meu relógio
biológico é um Rolex. Não, brincadeira. Nós todos temos um
relógio dentro de nós que sempre “sabe” exatamente que horas
são, embora nem todo mundo saiba que ele sabe, ou confie nele. O
relógio biológico funciona mais ou menos como uma portaria de
hotel, à qual você pede para ser acordado a certa hora. Ou como um
despertador, que você marca para acordá-lo. O relógio interior
pode falhar – as portarias de hotel e os despertadores também
falham -, mas sempre que não acreditei no meu me arrependi. O que
aconteceu mais de uma vez foi que o relógio biológico me acordou e
fiquei na cama, aflito para saber se a portaria iria se lembrar ou o
despertador funcionar, e acabei me atrasando. E minha tese é que
quando o relógio biológico não nos acorda é porque, no fundo, não
queremos acordar. Algum outro instrumento instintivo que carregamos
sem saber prevaleceu e neutralizou o relógio.
É fascinante essa ideia de que trazemos
nos genes recursos, impulsos, fobias e encargos dos quais não nos
damos conta, como relógios embutidos ligados a alguma fonte
inimaginavelmente precisa de tempo certo. Somos portadores de
mensagens cifradas que não conhecemos, e não entenderíamos se
conhecêssemos. Há uma teoria segundo a qual o pavor universal de
cobras vem de um resquício do passado reptiliano que ficou num dos
cantos primitivos do nosso cérebro. E a mais nobre e misteriosa
missão que nossos genes realizam à nossa revelia é a de trazer
nosso DNA desde as origens da espécie humana até agora. Ninguém
nos contratou, mas nossa função no mundo é transportar DNA.
O famoso biólogo darwinista Richard
Dawkins deu um título poético a um dos seus livros: River Out of
Eden. Tirado de Gênese 2:10 “E saía um rio do Éden para regar o
jardim, e dali se dividia”. O rio do Éden de Dawkins e de DNA, e
passa por todos nós.
Luís Fernando Veríssimo
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