Havia
estrelas cadentes. As luzes de Comala se apagaram.
Então
o céu tomou conta da noite.
O
padre Rentería se revirava na cama sem conseguir dormir:
— Tudo
isso que está acontecendo é por minha culpa — disse a si mesmo. —
O temor de ofender os que me apoiam. Porque a verdade é esta; eles
me mantêm. Dos pobres não consigo nada; orações não enchem
barriga. Assim foi até agora. E estas são as consequências. Minha
culpa. Eu traí aqueles que gostam de mim e que me deram sua fé e
que me procuram para que eu interceda por eles diante de Deus. Mas o
que conseguiram com sua fé? Ganharam o céu? Ou a purificação de
suas almas? E purificar as almas para quê, se no último momento...
Ainda tenho diante de meus olhos o olhar de Maria Dyada, que veio
pedir que eu salvasse sua irmã Eduviges:
“—
Ela sempre serviu aos seus semelhantes.
Deu a eles tudo que teve. Até um filho deu, a todos. E o colocou na
frente de todo mundo para ver se alguém o reconhecia como seu; mas
ninguém quis fazer isso. Então ela disse a eles: ‘Neste caso, eu
também sou o pai, mesmo que por coincidência também seja a mãe.’
Abusaram da sua hospitalidade por causa daquela sua bondade de não
querer ofender nem ser malquista por ninguém.
“—
Mas ela se suicidou. Obrou contra a mão
de Deus.
“—
Era a única saída. E decidiu isso por
causa da sua bondade.
“—
Falhou no momento final — foi isso que
eu disse a ela. — No último instante. Tantos bens acumulados para
a sua salvação, e perdeu tudo de repente!
“—
Mas é que não perdeu. Morreu cheia de
muitas dores. E a dor... O senhor nos falou uma coisa sobre a dor,
que eu não lembro mais. Ela foi-se embora por causa dessa dor.
Morreu retorcida pelo sangue que a afogava. Ainda vejo sua cara, e
sua cara era o gesto mais triste jamais feito por um ser humano.
“—
Talvez se a gente rezar muito.
“—
Pois vamos rezando muito, padre.
“—
Digo talvez, quem sabe?, com as missas
gregorianas; mas para isso precisamos pedir ajuda, mandar vir
sacerdotes. E tudo custa dinheiro.
“Lá
estava, na frente dos meus olhos, o olhar de Maria Dyada, uma pobre
mulher cheia de filhos.
“—
Não tenho dinheiro. O senhor sabe disso,
padre.
“—
Então vamos deixar as coisas do jeito
que estão. Vamos esperar em Deus.
“—
Está bem, padre.
Por
que aquele olhar tornava-se valente diante da resignação? O que
custava a ele perdoar, quando era tão fácil dizer uma ou duas
palavras, ou cem, se fossem necessárias para salvar a alma? Que
sabia ele do céu e do inferno? E no entanto ele, perdido num povoado
sem nome, sabia quem tinha merecido o céu. Havia um catálogo.
Começou a percorrer os santos do panteão católico, a começar
pelos do dia: “Santa Nunilona, virgem e mártir; Anercio, bispo;
Santas Salomé, viúva, Alódia ou Elódia e Nulina, virgens; Córdula
e Donato.” E continuou. Já começava a ser dominado pelo sono
quando se sentou na cama: “Estou repassando uma fileira de santos
como se estivesse vendo carneiros saltarem.”
Saiu
da casa e olhou o céu. Choviam estrelas. Lamentou aquilo, porque
teria gostado de ver um céu quieto. Ouviu o canto dos galos. Sentiu
a envoltura da noite cobrindo a terra. A terra, “este vale de
lágrimas”.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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