Cada
livro era um mundo em si mesmo e nele eu me refugiava. Embora eu me
soubesse incapaz de inventar histórias como as que meus autores
favoritos escreviam, achava que minhas opiniões frequentemente
coincidiam com as deles e (para usar a frase de Montaigne) Passei a
seguir-lhes o rastro, murmurando: Ouçam, ouçam. Mais tarde,
fui capaz de me dissociar da ficção deles; mas na infância e em
boa parte da adolescência, o que os livros me contavam, por mais
fantástico que fosse, era verdade no momento da leitura, e tão
tangível quanto o material de que o próprio livro era feito. Walter
Benjamin descreveu a mesma experiência. “O que meus primeiros
livros foram para mim — para lembrar isso eu deveria primeiramente
esquecer todo o conhecimento sobre livros. É certo que tudo o que
sei deles hoje baseia-se na presteza com que eu então me abria para
eles, mas se conteúdo, tema e assunto agora são extrínsecos ao
livro, antes estavam exclusiva e inteiramente dentro dele, não sendo
mais externos ou independentes do que são hoje seu número de
páginas ou seu papel. O mundo que se revelava no livro e o próprio
livro jamais poderiam ser, de forma alguma, separados.
Assim,
junto com cada livro, também seu conteúdo, seu mundo, estava ali, à
mão, palpável. Mas, igualmente, esse conteúdo e esse mundo
transfiguravam cada parte do livro. Queimavam dentro dele, lançavam
chamas a partir dele; localizados não somente em sua encadernação
ou em suas figuras, estavam entesourados em títulos de capítulos e
capitulares, em parágrafos e colunas. Você não lia livros;
habitava neles, morava entre suas linhas e, reabrindo-os depois de um
intervalo, surpreendia-se no ponto onde havia parado”.
Alberto
Manguel, in História da leitura
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